PARÓQUIAS DE NISA
Terça, 12 de outubro de 2021
Terça-feira da XXVIII semana do tempo comum
LITURGIA
Terça-feira
da semana XXVIII
Verde
– Ofício da féria.
L 1 Rom 1, 16-25; Sal 18 A (19), 2-3. 4-5
Ev Lc 11, 37-41
* Na Diocese de Portalegre-Castelo Branco – Aniversário da entrada solene de D.
Antonino Eugénio Fernandes Dias.
* Na Ordem Agostiniana – B. Maria Teresa Fasce, virgem – MF
* Na Ordem dos Franciscanos Capuchinhos – S. Serafim do Montegranaro,
religioso, da I Ordem – MO
* Na Companhia de Jesus – B. João Beyzym, presbítero, apóstolo dos leprosos em
Madagáscar – MF
* Na Diocese de Leiria-Fátima (Santuário de Fátima) – I Vésp. do aniversário da
Dedicação da Basílica de Nossa Senhora do Rosário.
MISSA
ANTÍFONA
DE ENTRADA Salmo 129,
3-4
Se tiverdes em conta as nossas faltas,
Senhor, quem poderá salvar-se?
Mas em Vós está o perdão, Senhor Deus de Israel.
ORAÇÃO COLECTA
Nós Vos pedimos, Senhor, que a vossa graça
preceda e acompanhe sempre as nossas acções
e nos torne cada vez mais atentos
à prática das boas obras.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I (anos ímpares) Rom 1, 16-25
«Os homens conheceram a Deus, mas não O glorificaram como Deus»
O Apóstolo proclama o Evangelho. Aí se revela a justiça e a santidade de Deus;
por ele o homem chega à fé. Mas a própria obra da criação já é reveladora de
Deus, para quem a souber ver e contemplar. A degradação em que os homens muitas
vezes caíram foi fruto da cegueira que não os deixou olhar para essa revelação
de Deus, e, ao mesmo tempo, impedimento para que a pudessem contemplar. As
obras do homem sem Deus não o deixam reconhecer a obra de Deus.
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos: Não me envergonho do Evangelho, que é a força de Deus para a salvação
de todo o crente: do judeu primeiramente, mas também do não judeu. Porque no
Evangelho se revela a justiça de Deus, que tem origem na fé e conduz à fé, como
está escrito: ‘O justo viverá pela fé’. Na verdade, a ira de Deus manifesta-se
do alto do Céu contra toda a impiedade e injustiça dos homens, que na sua
injustiça abafam a verdade. De facto, o que se pode conhecer de Deus é
manifesto para eles, porque Deus lho manifestou. Desde a criação do mundo, as
perfeições invisíveis de Deus, o seu poder eterno e a sua divindade tornam-se,
pelas suas obras, visíveis à inteligência. Deste modo, eles não têm desculpa,
porque, conhecendo a Deus, não O glorificaram como Deus nem Lhe deram graças.
Ao contrário, entregaram-se aos seus vãos raciocínios e o seu coração insensato
encheu-se de trevas. Pretendendo ser sábios, tornaram-se loucos e trocaram a
glória de Deus imortal por imagens que representam homens mortais, aves,
quadrúpedes e répteis. Por isso Deus os entregou, segundo os desígnios dos seus
corações, à impureza com que desonram os seus corpos. Eles trocaram a verdade
de Deus pela mentira, prestaram culto e adoração às criaturas em lugar do
Criador, que é bendito para sempre. Amen.
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 18 A (19 A), 2-3.4-5 (R. 2a)
Refrão: Os céus proclamam a glória de
Deus. Repete-se
Os céus proclamam a glória de Deus
e o firmamento anuncia a obra das suas mãos.
O dia transmite ao outro esta mensagem
e a noite a dá a conhecer à outra noite. Refrão
Não são palavras nem linguagem
cujo sentido se não perceba.
O seu eco ressoou por toda a terra
e a sua notícia até aos confins do mundo. Refrão
ALELUIA Hebr 4, 12
Refrão: Aleluia. Repete-se
A palavra de Deus é viva e eficaz,
conhece os pensamentos e intenções do coração. Refrão
EVANGELHO Lc 11, 37-41
«Dai esmola e tudo para vós ficará limpo»
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, depois de Jesus ter falado, um fariseu convidou-O para comer em
sua casa. Jesus entrou e tomou lugar à mesa. O fariseu admirou-se, ao ver que
Ele não tinha feito as abluções antes de comer. Disse-lhe o Senhor: «Vós, os
fariseus, limpais o exterior do copo e do prato, mas o vosso interior está
cheio de rapina e perversidade. Insensatos! Quem fez o interior não fez também
o exterior? Dai antes de esmola o que está dentro e tudo para vós ficará
limpo».
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Aceitai, Senhor,
as orações e as ofertas dos vossos fiéis
e fazei que esta celebração sagrada
nos encaminhe para a glória do Céu.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Salmo 33, 11
Os ricos empobrecem e passam fome;
mas nada falta aos que procuram o Senhor.
Ou cf. 1 Jo 3, 2
Quando o Senhor Se manifestar,
seremos semelhantes a Ele,
porque O veremos na sua glória.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Deus de infinita bondade,
que nos alimentais com o Corpo e o Sangue do vosso Filho,
tornai-nos também participantes da sua natureza divina.
Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
MÉTODO
DE ORAÇÃO BÍBLICA
1. Leitura: - Lê, respeita, situa o que lês.
- Detém-te no conteúdo de fé e da
passagem que leste
2. Meditação: - Interioriza, dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa que a passagem da Palavra de
Deus que leste “leia a tua vida”
3. Oração: - Louva o Senhor, suplica, escuta.
- Dirige-te a Deus que te falou através
da Sua Palavra.
LEITURAS: Rom 1, 16-25: O
Apóstolo proclama o Evangelho. Aí se revela a justiça e a santidade de Deus;
por ele o homem chega à fé. Mas a própria obra da criação já é reveladora de
Deus, para quem a souber ver e contemplar. A degradação em que os homens muitas
vezes caíram foi fruto da cegueira que não os deixou olhar para essa revelação
de Deus, e, ao mesmo tempo, impedimento para que a pudessem contemplar. As
obras do homem sem Deus não o deixam reconhecer a obra de Deus.
Lc 11, 37-41: Jesus chama a atenção
do fariseu que O tinha convidado para almoçar e fizera reparo por Ele não lavar
as mãos, dizendo-lhe que o que purifica é o amor, que se manifesta na esmola, e
não a água, que só se lança sobre as mãos. É, no fundo, uma lição sobre o
sentido espiritual da religião, sem com isso pretender negar as suas expressões
externas e as regras gerais da higiene.
AGENDA DO DIA:
18.00 horas: Missa em
Alpalhão
18.00 horas: Missa em
Nisa.
PENSAMENTO
DO DIA
« Buscai
primeiramente o que une, em vez de buscar o que divide»
São João XXIII
A VOZ DO PASTOR:
NA MINHA IDADE NÃO FICA BEM FINGIR...
A resposta em título é de Eleazar. Conhecem-no?!...
Não puxem mais pela cabeça, ele não faz parte do plantel do Sporting, nem do
Maria da Fonte, nem do Benfica ou do Courense, muito menos do Estrela de
Portalegre, do Barrancos ou do Calheta. Tampouco era um apanha bolas suplente
ao lado do retângulo do Porto. Coitado, já faz muito tempo que morreu numa
competitiva final contra terríveis adversários! Mas sempre foi um grande atleta
nos jogos da vida e não se atirava para o chão a fingir obstrução em busca de
ganhos para si e castigo para os outros. Conhecedor profundo das regras do
jogo, tornou-se um dos mais valorosos de entre os melhores do seu tempo. Tendo
chegado a idade avançada, os seus colegas e amigos de longa data - uns
arranjistas, aliás! -, viraram a casaca, trocaram de clube ou fingiram que sim,
tal como aqueles que vestem a camisola dum clube mas pagam as cotas a outro.
Pois aqueles ditos cujos, em dada altura, quiseram rasteirar Eleazar para o
desequilibrar e estatelar no relvado. Chamaram-no à parte, açucararam o
palavreado, aliciaram-no a mudar de cor clubística. Perante a sua relutância em
tal proposta, insistiram em que, se quisesse continuar selecionado e salvar a
pele, pelo menos teria de fingir que cumpria o que lhe era mandado. Só assim, o
presidente ao tempo, um tal Epifânio de nome, e seus assanhados treinadores não
o expulsariam do jogo da vida à paulada e coisa mais mortífera. Eleazar, porém,
não foi em cantigas, manteve-se forte e firme. Com serenidade e a garra
habitual, deu uma resposta de atleta experimentado e leal, digna de cabelos
brancos. Fingir, para ele, não passaria de uma mentira, seria uma demissão, uma
cobardia, um mau exemplo. Tendo presente que o valor humano se mede, não tanto
pela duração da vida, mas sim pela integridade do testemunho, ele ripostou que
não o faria. Se o fizesse, até os mais velhos pensariam que ele, um velho de
noventa anos chamado Eleazar, perdera o juízo. Seria enganar terceiros e só
ganharia desprezo. Além disso, ele estava consciente de que, mesmo que, no
presente, se livrasse do castigo humano, nem vivo nem morto conseguiria escapar
das mãos do Autor das regras a quem sempre permaneceu fiel nos jogos da vida.
Por isso, dizia, “se eu passar corajosamente para a outra vida, mostrar-me-ei
digno da minha idade. Para os mais jovens, posso deixar um exemplo honrado,
mostrando como se deve morrer corajosa e dignamente” (cf. 2Mac 6, 18-31).
Aos olhos de muitos, toda esta fidelidade pode não
passar de uma tontice, uma loucura, um escândalo, um fanatismo. Convido o
leitor a escutar o autor do Livro da Sabedoria: “As almas dos justos estão na
mão de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos parecem
ter morrido; a sua saída deste mundo foi considerada uma desgraça e a sua
partida do meio de nós, um aniquilamento. Mas eles estão em paz. Aos olhos dos
homens eles sofreram um castigo, mas a sua esperança estava cheia de
imortalidade. Depois de leve pena, terão grandes benefícios, porque Deus os pôs
à prova e os achou dignos de si (Sb 3,1-15).
Logo que Jesus se apresentou entre nós como Caminho,
Verdade e Vida e nos ensinou a linguagem da cruz, aquela linguagem que o mundo
despreza e acha sem valor, mas que confunde os sábios e os fortes deste mundo,
dá-se um caso interessante que torno presente. Natanael era um estudioso da
Lei, um sábio do tempo, não arrogante nem fechado no que sabia, mas um homem
sincero e humilde que buscava a verdade e esperava o Messias do qual as
Escrituras, que ele conhecia muito bem, falavam que haveria de vir. Um dia, Filipe
cruzou-se com Ele e dá-lhe a notícia de que tinha visto o Messias, que era de
Nazaré, que era filho de José. Natanael, como bom judeu e aberto à novidade,
mas também, conforme a cultura do tempo preconceituoso em relação à pequenina
terra de Nazaré, como que mete um travão na confiança que Filipe manifestava
nesse Messias. E interpela-o, sério: “De Nazaré pode vir alguma coisa boa?”.
Filipe, porém, não desiste do amigo Natanael, convida-o e acompanha-o ao
encontro de Jesus para ambos partilharem essa boa notícia. ‘Anda daí, pá, e
verás’, e lá foram!... Quando Jesus olhou Natanael, elogiou a sua honestidade e
autenticidade, dizendo: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não existe
fingimento” (Jo 1, 45-51). Natanael, admirado por Jesus o conhecer, o acolher e
lhe prestar tanta atenção, fica sensibilizado pelo apreço que Jesus lhe
manifesta, pelo que lhe diz, e logo se sente interiormente apanhado e desarmado
pela pessoa de Jesus sobre o qual imediatamente proclama: “Rabi, Tu és o Filho
de Deus, Tu és o rei de Israel” (Jo 1, 49). A partir dali, começou a fazer
parte do grupo dos amigos de Jesus, entrou na sua escola. Estava ateado o fogo
do amor no coração de Natanael, tornou-se um verdadeiro apóstolo da verdade e
da justiça, tarefa das pessoas de boa vontade. E se a fama de Jesus se
espalhava cada vez mais por toda a parte (Lc 5, 15), continuará a espalhar-se
com a palavra e o testemunho de pessoas que, tal como Filipe, sejam capazes de
partilhar a alegria de ver e experimentar a amizade de Jesus. Pessoas que
saibam convidar os outros ao seu encontro, anunciando, com ternura e beleza, a
pessoa e a linguagem da cruz que Jesus nos ensinou, bem como a jubilosa alegria
e as dinâmicas que explodiram sobre o mundo com a sua Ressurreição. Mesmo que
tudo possa continuar a ser loucura para uns e escândalo para outros, mesmo que
tudo isso possa continuar a confundir os sábios e os poderosos deste mundo, só
Jesus Cristo redime, salva, liberta, dá sentido à vida e às coisas da vida. Só
Ele é o alicerce, a pedra angular sobre a qual assenta a construção de um mundo
cada vez mais justo e intelectualmente habitável, com a colaboração de todas as
pessoas de boa vontade em todas as áreas do saber, do ter e do poder. “A
loucura de Deus é mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte
do que os homens” (cf. 1Cor 1, 17-31).
Mesmo que as causas da indiferença ou do voltar de
costas ao autor dos cosmos e da vida possam ser muitas e diversas, o Papa
Francisco lembra-nos que o Diabo anda por aí, finge-se “educado”, toca à
campainha delicadamente, com diplomacia, pede licença para entrar, entra,
observa, faz-se amigo, seduz à infidelidade entre esposos, destrói famílias,
alicia aos vícios e à corrupção, torna as pessoas voláteis, canas agitadas pelo
vento, tudo apresenta como se tudo fosse digno, bom e permitido. De forma
empática e suave, cativa para logo empurrar com aplausos e grande festa para “o
espírito do mundo que nos arruína e corrompe a partir de dentro».
Eleazar resistiu a tais ciladas, foi perseguido e
morto pela sua fidelidade a Deus. Cristo Jesus ressuscitado, eternamente vivo e
presente, continua a ser perseguido e morto. Armam-lhe ciladas, pedem-lhe que
se afaste, entregam-no aos inimigos, condenam-no à morte, os barrabás e toda a
pilataria têm preferência. Quando Paulo respirava ameaças e morte contra os
cristãos e se encaminhava para Damasco para os prender e trazer para as prisões
e morte, Jesus fez-se encontrado, e perante a pergunta de Paulo sobre quem é
que Ele era, Jesus responde-lhe: “Eu sou Jesus a quem tu persegues” (At 9, 5).
O “que fizerdes aos outros é a mim que o fazeis” (cf. Mt 25, 45). Tal como
Eleazar, os cristãos perseguidos em tantos lugares do mundo continuam a
testemunhar que são pessoas de antes quebrar que torcer. Eles sabem em quem acreditam
e confiam. O seu comportamento é forte estímulo para nós, até nos envergonha
por tão frios que podemos ser na formação, na prática, na vivência e no anúncio
da fé!
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 08-10-2021.
***********
DISCURSO
DO SANTO PADRE FRANCISCO AOS FIÉIS DA DIOCESE DE ROMA
Sala
Paulo VI - Sábado, 18 de setembro de 2021
Caros
irmãos e irmãs, bom dia!
Como
sabeis – não é uma novidade! –, está prestes a começar um processo sinodal, um caminho
em que toda a Igreja está empenhada à volta do tema “Para uma Igreja sinodal:
comunhão, participação, missão”: três pilares. Estão previstas três fases, que
terão lugar entre outubro de 2021 e outubro de 2023. Este itinerário foi
concebido como um dinamismo de escuta recíproca – quero sublinhar isto:
um dinamismo de escuta recíproca –, conduzido a todos os níveis da
Igreja, envolvendo todo o povo de Deus. O Cardeal Vigário e os Bispos
Auxiliares devem escutar-se uns aos outros; os sacerdotes devem escutar-se uns
aos outros; os religiosos devem escutar-se uns aos outros; os leigos devem
escutar-se uns aos outros. E, depois, escutar-se todos uns aos outros.
Escutar-se uns aos outros; falar uns com os outros e ouvir-se uns aos outros.
Não se trata de recolher opiniões, não. Não é um inquérito! Trata-se de escutar
o Espírito Santo, como encontramos no livro do Apocalipse: “Quem tem
ouvidos oiça o que o Espírito diz às Igrejas” (2,7). Ter ouvidos, ouvir, é
o primeiro empenho. Trata-se de escutar a voz de Deus, perceber a sua presença,
intercetar a sua passagem e o seu sopro de vida. Aconteceu com o profeta Elias:
ele descobriu que Deus é sempre um Deus de surpresas, até no modo como passa e
se faz ouvir:
«Uma
forte rajada de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos, mas o Senhor
não estava no vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto, mas o Senhor não
estava no terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo, mas o Senhor não
estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu,
Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta» (1Rs
19, 11-13).
É
assim que Deus nos fala. E é devido a esta “ligeira brisa” – que os exegetas
também traduzem como “uma fina voz de silêncio” e outros como “um fio de
silêncio sonoro” – que devemos pôr os nossos ouvidos alerta, para escutar esta
brisa de Deus.
A
primeira etapa do processo (outubro 2021 – abril 2022) diz respeito a cada uma
das Igrejas diocesanas. E é por isso que estou aqui, como vosso bispo, a partilhar,
porque é muito importante que a Diocese de Roma se empenhe convictamente neste
caminho. Era uma má figura, se a diocese do Papa não se empenhasse nisto. Não
seria? Má figura do Papa e vossa também.
O
tema da sinodalidade não é um capítulo de um tratado de eclesiologia; muito
menos, uma moda, um slogan ou um novo termo para usar ou instrumentalizar nas
nossas reuniões. Não! A sinodalidade exprime a natureza da Igreja, a sua forma,
o seu estilo, a sua missão. E, portanto, falamos da Igreja sinodal, mas
evitando pensar que se trata de um título entre outros, uma forma de a
conceber, mas que prevê alternativas. Não digo isto com base numa opinião
teológica, nem sequer como um pensamento pessoal, mas estou a seguir o livro
que podemos considerar como o primeiro e mais importante “manual” de
eclesiologia, que é o livro dos Atos dos Apóstolos.
A
palavra “sínodo” contém tudo o que é útil para compreender: “caminhar juntos”.
O livro de Atos é a história de um caminho que parte de Jerusalém e,
através da Samaria e da Judeia, continua nas regiões da Síria e da Ásia Menor e
depois na Grécia e termina em Roma. Este percurso conta a história em que a
Palavra de Deus e as pessoas que dirigem a sua atenção e a sua fé para essa
Palavra caminham juntas. A Palavra de Deus caminha connosco. Todos são
protagonistas, ninguém pode ser considerado um simples figurante. É preciso
compreender bem isto: todos são protagonistas. O protagonista já não é o Papa,
o Cardeal Vigário, os Bispos Auxiliares; não: somos todos protagonistas, e
ninguém pode ser considerado um simples figurante. Nessa altura, os ministérios
ainda eram considerados serviços autênticos. E a autoridade nascia da escuta da
voz de Deus e do povo – nunca os separarem – o que mantinha “em baixo” aqueles
que a recebiam. O “baixo” da vida, ao qual era preciso prestar o serviço da
caridade e da fé. Mas não é só por causa dos lugares geográficos que atravessa
que essa história está em movimento. Ela exprime uma contínua inquietude
interior – é uma palavra-chave, a inquietude interior. Se um cristão
não sente esta inquietude interior, se não a vive, falta-lhe alguma
coisa; e esta inquietude interior nasce da fé de cada um e convida-nos a
ponderar o que o que é melhor fazer, o que se deve manter ou mudar. Esta
história ensina-nos que ficar parados não pode ser uma boa condição para a
Igreja (cf. Evangelii gaudium, 23). E o movimento é uma consequência da
docilidade ao Espírito Santo, que é o realizador desta história em que todos
são protagonistas inquietos, nunca parados.
Pedro
e Paulo não são apenas duas pessoas, cada um com o seu caráter; são visões
inseridas em horizontes maiores do que eles, capazes de se repensarem em
relação com o que vai acontecendo, testemunhas de um impulso que os coloca em
crise – mais uma expressão para recordar sempre: colocar em crise –, que os
leva a ter ousadia, a questionar, a reconsiderar, a cometer erros e a aprender
com eles e, sobretudo, a ter esperança apesar das dificuldades. São discípulos
do Espírito Santo, que os faz descobrir a geografia da salvação divina, abrindo
portas e janelas, derrubando paredes, quebrando correntes, libertando
fronteiras. Então pode ser necessário partir, mudar de direção, ultrapassar as
convicções que nos retêm e nos impedem de nos deslocarmos e de caminharmos
juntos.
Podemos
ver o Espírito a levar Pedro à casa de Cornélio, o centurião pagão, apesar das
suas hesitações. Lembrem-se: Pedro teve uma visão que o perturbava, em que lhe
era pedido que comesse coisas consideradas impuras e ele, apesar da certeza de que
o que Deus purifica deixa de ser considerado impuro, ficou perplexo. Estava a
tentar compreender e chegaram os homens enviados por Cornélio. Também ele tinha
recebido uma visão e uma mensagem. Era um oficial romano, piedoso, que
simpatizava com o judaísmo, mas não ainda suficientemente para ser totalmente
judeu ou cristão: nenhuma “alfândega” religiosa o teria deixado passar. Ele era
pagão e, no entanto, fora-lhe revelado que as suas orações tinham chegado a
Deus e que deveria enviar alguém para dizer a Pedro para vir a sua casa. Neste
suspense, por um lado, Pedro com as suas dúvidas e, por outro, Cornélio à
espera naquela zona sombria, é o Espírito que dissolve a resistência de Pedro e
abre uma nova página da missão. É assim que o Espírito se move. O encontro
entre os dois sela uma das mais belas frases do cristianismo. Cornélio tinha
ido ao seu encontro, tinha-se atirado aos seus pés, mas Pedro levantou-o e
disse: “Levanta-te, eu também sou um homem” (At 10,26). Todos
dizemos isto: “Eu sou homem; eu sou mulher; somos humanos”. Todos
deveríamos dizer isto, mesmo os Bispos, todos nós: “Levanta-te: eu também
sou um homem”. E o texto sublinha que conversou com ele de maneira familiar
(cf. v. 27). O cristianismo deve ser sempre humano, humanizante, conciliando
diferenças e distâncias e transformando-as em familiaridade, em proximidade. Um
dos males da Igreja, ou melhor, uma perversão, é este clericalismo que separa o
padre, o bispo do povo. O bispo e o padre separado do povo é um oficial, não é
um pastor. São Paulo VI gostava muito de citar a máxima de Terêncio: “Sou um
Homem, nada do que é humano me é estranho”. O encontro entre Pedro e
Cornélio resolveu um problema, favoreceu a decisão de eles se sentirem livres
para pregarem diretamente aos pagãos, com a convicção – são palavras de Pedro –
de “que Deus não faz aceção de pessoas” (At 10:34). Em nome de
Deus, não se pode discriminar. E a discriminação é um pecado mesmo entre nós: “nós
somos os puros, nós somos os eleitos, nós somos deste movimento que sabe tudo,
nós somos...”. Não! Nós somos Igreja, todos juntos.
Vede,
não podemos compreender a “catolicidade” sem nos referirmos a este campo amplo
e hospitaleiro, que nunca delimita as fronteiras. Ser Igreja é um caminho para
entrar nesta amplitude de Deus. Depois, voltando aos Atos dos Apóstolos,
há os problemas que surgem na organização do crescente número de cristãos, e
especialmente para prover às necessidades dos pobres. Alguns apontam para o
facto de não se estar a cuidar das viúvas. O modo com que há de encontrar uma
solução é reunir a assembleia dos discípulos e tomar juntos a decisão de
designar aqueles sete homens que ficariam empenhados a tempo inteiro com a diaconia,
com o serviço das mesas (At 6,1-7). E assim, com o discernimento, com as
necessidades, com a realidade da vida e a força do Espírito, a Igreja avança,
caminha em conjunto, é sinodal. Mas está sempre presente o Espírito como grande
protagonista da Igreja.
Além
disso, há também o confronto entre diferentes visões e expectativas. Não
devemos ter medo de que isto aconteça ainda hoje. Quem dera que se pudesse
discutir assim! São sinais de docilidade e de abertura ao Espírito. Também se
pode levantar confrontos que atingem amplitudes dramáticas, como aconteceu com
o problema da circuncisão dos pagãos, até à deliberação daquele que chamamos o
Concílio de Jerusalém, o primeiro Concílio. Como acontece ainda hoje, há um
modo rígido de olhar para as circunstâncias, que mortifica a makrothymía
de Deus, ou seja, aquela paciência do olhar que se alimenta de visões
profundas, visões amplas, visões de horizontes alargados: Deus vê longe, Deus
não tem pressa. A rigidez é outra perversão que é um pecado contra a paciência
de Deus, é um pecado contra esta soberania de Deus. Isto acontece também hoje.
Tinha
acontecido naquele tempo: alguns, convertidos do judaísmo, consideravam, na sua
autorreferencialidade, que não podia haver salvação sem se submeterem à Lei de
Moisés. Deste modo, contestava-se Paulo, que proclamava a salvação diretamente
em nome de Jesus. Opor-se à sua ação teria comprometido o acolhimento dos
pagãos que, entretanto, se iam convertendo. Paulo e Barnabé foram enviados a
Jerusalém pelos Apóstolos e pelos anciãos. Não foi fácil: diante deste
problema, as posições pareciam inconciliáveis, discutiu-se longamente. Era uma
questão de reconhecer a liberdade da ação de Deus, e que não havia obstáculos
que O pudessem impedir de chegar ao coração das pessoas, independentemente da
sua condição de proveniência, moral ou religiosa. O que desbloqueou a situação
foi a adesão à evidência de que “Deus, que conhece corações”, o cardignosta,
conhece os corações, Ele próprio apoiava a causa a favor da possibilidade
de os gentios serem admitidos à salvação, “ao conceder-lhes o Espírito Santo
como a nós” (At 15,8), concedendo assim o Espírito Santo também aos
pagãos, como a nós. Deste modo, prevaleceu o respeito por todas as
sensibilidades, moderando os excessos; a experiência de Pedro com Cornélio foi
preciosa: assim, no documento final, encontramos o testemunho do protagonismo
do Espírito neste caminho de decisões e da sabedoria que é sempre capaz de
inspirar: “Pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós, não vos impor
qualquer outra obrigação”, além do indispensável (At 15:28). “Nós”:
Neste Sínodo, vamos pelo caminho de poder dizer “pareceu-nos bem, ao Espírito
Santo e a nós", porque estareis em diálogo contínuo uns com os
outros sob a ação do Espírito Santo. Não se esqueçam desta fórmula: “Pareceu-nos
bem, ao Espírito Santo e a nós, não vos impor qualquer outra obrigação”:
pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós. É assim que deveis tentar
expressar-vos neste percurso sinodal, neste caminho sinodal. Se o Espírito não
estiver presente, será um parlamento diocesano, mas não um Sínodo. Não estamos
a fazer um parlamento diocesano; não estamos a fazer um estudo sobre isto ou
aquilo. Não! Estamos a fazer um caminho de nos escutarmos uns aos outros e de
escutarmos o Espírito Santo, de discutir e também de discutir com o Espírito
Santo, que é uma maneira de rezar.
“O
Espírito Santo e nós”. Além disso, há sempre a tentação de fazer tudo sozinhos,
dando expressão a uma eclesiologia substitutiva – há tantas
eclesiologias substitutivas – como se, depois de ter subido ao Céu, o Senhor
tivesse deixado um vazio por preencher, e nós é que o preenchemos. Não! O
Senhor deixou-nos o Espírito! Mas as palavras de Jesus são claras: “Eu
pedirei ao Pai, que vos dará outro Paráclito, para estar sempre convosco. [...]
Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,16.18). Para o cumprimento desta
promessa, a Igreja é um sacramento, como se afirma na Lumen Gentium, n.
1: “A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou seja, o sinal e o
instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano”.
Nesta frase, que recolhe o testemunho do Concílio de Jerusalém, está o
desmentido de quem insiste em tomar o lugar de Deus, com a pretensão de modelar
a Igreja com base nas suas convicções culturais e históricas, forçando-a a ter
fronteiras armadas, alfândegas culpabilizantes, a espiritualidades que blasfemam
contra a gratuidade da ação envolvente de Deus. Quando a Igreja, pelas suas
palavras e ações, é testemunha do amor incondicional de Deus, da sua amplitude
hospitaleira, ela exprime verdadeiramente a sua própria catolicidade. E é impelida,
interiormente e exteriormente, a atravessar os espaços e os tempos. O impulso e
a capacidade vêm do Espírito: “Recebereis a força do Espírito Santo, que
descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia
e na Samaria e até aos confins da terra” (At 1,8). Receber o poder
do Espírito Santo para sermos testemunhas: este é o caminho da Igreja e nós
seremos Igreja se formos por este caminho.
Igreja
sinodal significa Igreja sacramento desta promessa – ou seja, que o Espírito
estará connosco – que se manifesta cultivando a intimidade com o Espírito e com
o mundo que há de vir. Haverá sempre discussões, graças a Deus, mas as soluções
devem ser procuradas dando a palavra a Deus e às suas vozes no meio de nós;
rezando e abrindo os olhos para tudo o que nos rodeia; praticando uma vida fiel
ao Evangelho; questionando a Revelação de acordo com uma hermenêutica
peregrina que sabe preservar o caminho iniciado nos Atos dos
Apóstolos. E isto é importante: o modo de compreender, de interpretar. Uma hermenêutica
peregrina, ou seja, que está a caminho. O caminho que começou depois do
Concílio? Não! Começou com os primeiros Apóstolos, e continua. Quando a Igreja
para, deixa de ser Igreja para ser uma bela associação piedosa, porque engaiola
o Espírito Santo. Uma hermenêutica peregrina que sabe preservar o
caminho iniciado nos Atos dos Apóstolos. Caso contrário, estaríamos a
humilhar o Espírito Santo. Gustav Mahler – já o disse noutras ocasiões –
defendia que a fidelidade à tradição não consiste em adorar as cinzas, mas em
conservar o fogo. Pergunto-vos: Antes de iniciar este caminho sinodal, estais
mais inclinados a quê? A conservar as cinzas da Igreja, ou seja, da vossa
associação, do vosso grupo? Ou a conservar o fogo? Estais mais inclinados para
adorar as vossas coisas, que vos fecham – eu sou de Pedro, eu sou de Paulo; eu
dou desta associação, vós sois daqueloutra; eu sou padre, eu sou bispo – ou
sentis-vos chamados a conservar o fogo do Espírito? Gustav Mahler foi um
grande compositor, mas é também um mestre da sabedoria com esta reflexão. A Dei
Verbum (n. 8), citando a Carta aos Hebreus, afirma: “Deus, que
outrora falou (cf. Heb 1,1), dialoga sem interrupção com a esposa
do seu amado Filho”. Há uma fórmula de São Vicente de Lérins que é muito
feliz. Comparando o ser humano em crescimento e a Tradição transmitida de uma
geração à outra, ele afirma que não se pode conservar o “depósito da fé” sem o
fazer progredir: “consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo,
aprofundando-se com a idade” (Commonitorium primum, 23,9: “ut
annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate”). Este é o estilo
do nosso caminho: as realidades, se não caminham, são como as águas. As
realidades teológicas são como a água: se a água não corre e ficar estagnada, é
a primeira a entrar em putrefação. Uma Igreja estagnada começa a apodrecer.
Vede
como a nossa Tradição é uma massa fermentada, uma realidade em fermento na qual
podemos reconhecer o crescimento, e na farinha amassada uma comunhão que se
realiza em movimento: caminhar em conjunto realiza a verdadeira comunhão. É
mais uma vez o livro dos Atos dos Apóstolos a ajudar-nos, mostrando-nos
que a comunhão não suprime as diferenças. É a surpresa do Pentecostes, quando
línguas diferentes não são obstáculos: embora fossem estranhos uns aos outros,
graças à ação do Espírito, “ouve cada um de nós falar na sua própria língua
materna” (At 2,8). Sentir-se em casa; diferentes, mas solidários no
caminho. Desculpai-me por ser tão longo, mas o Sínodo é um assunto sério e é
por isso que tomei a liberdade de falar...
Voltando
ao processo sinodal, a fase diocesana é muito importante, porque realiza a
auscultação da totalidade dos batizados, o sujeito do sensus fidei
infalível in credendo. Há muitas resistências para superar a imagem de
uma Igreja rigidamente dividida entre chefes e subordinados, entre os que
ensinam e os que têm de aprender, esquecendo que Deus gosta de inverter as
posições: “Derrubou os poderosos dos seus tronos, exaltou os humildes” (Lc
1,52), disse Maria. Caminhar juntos descobre que a sua linha é mais a
horizontalidade que a verticalidade. A Igreja sinodal restaura o horizonte a
partir do qual nasce o sol Cristo: erguer monumentos hierárquicos significa
cobri-lo. Os pastores caminham com o povo: nós, pastores, caminhamos com o
povo, umas vezes à frente, outras no meio e outras atrás. O bom pastor deve
caminhar assim: à frente para guiar, no meio para encorajar e não esquecer o
cheiro do rebanho, atrás porque o povo também tem “faro”. Tem faro para
encontrar novos caminhos ou para reencontrar o caminho que tinha perdido. Quero
sublinhar isto, também aos bispos e padres da diocese. No seu caminho sinodal,
eles que se perguntem: “Eu sou capaz de caminhar, de me mover, à frente, no
meio e atrás? Ou só estou na cátedra, com mitra e báculo?”. Pastores
misturados, mas pastores, não rebanho: o rebanho sabe que somos pastores, o
rebanho sabe a diferença. Na frente para mostrar o caminho, no meio para ouvir
o que o povo está a sentir e atrás para ajudar aqueles que ficam um pouco para trás
e para deixar que o povo veja um pouco com o seu faro onde estão as melhores
ervas.
O
sensus fidei garante que todos estão qualificados com a dignidade
da função profética de Jesus Cristo (cf. Lumen Gentium, 34-35), de modo
a poderem discernir quais são os caminhos do Evangelho no presente. É o “faro”
das ovelhas. Mas estejamos atentos que, na história da salvação, todos somos
ovelhas em relação ao Pastor que é o Senhor. A imagem ajuda-nos a compreender
as duas dimensões que contribuem para este “faro”. Uma pessoal e outra
comunitária: somos ovelhas e fazemos parte do rebanho que, neste caso,
representa a Igreja. Estamos a ler no Breviário, no Ofício de Leitura, o “De
pastoribus” de [Santo] Agostinho; e ele diz-nos aí: “Convosco sou
uma ovelha, para vós sou um pastor”. Estes dois aspetos, pessoal e
eclesial, são inseparáveis: não pode haver sensus fidei sem
participação na vida da Igreja, que não é somente o ativismo católico, deve
haver sobretudo aquele “sentimento” que é alimentado pelos “sentimentos de
Cristo” (Fl 2,5).
O
exercício do sensus fidei não pode ficar reduzido à comunicação e ao
confronto de opiniões que possamos ter sobre este ou aquele tema, sobre um
aspeto particular da doutrina ou sobre uma regra de disciplina. Não! Isso são
instrumentos, verbalizações, expressões dogmáticas ou disciplinares. Mas não
deve prevalecer a ideia de distinguir maiorias e minorias: isso é o que faz um
parlamento. Quantas vezes os “descartados” se tornaram “pedras angulares” (cf. Sl
118,22; Mt 21,42), os “que estavam longe” passaram a “estar perto” (Ef
2,13). Os marginalizados, os pobres, os que não têm esperança foram eleitos
como sacramento de Cristo (cf. Mt 25,31-46). A Igreja é assim. E quando
alguns grupos se quiseram destacar demasiado, esses grupos acabaram sempre mal,
até mesmo na negação da Salvação, em heresias. Pensemos naquelas heresias que
tinham a pretensão de governar a Igreja, como o pelagianismo e, depois, o
jansenismo. Todas as heresias acabaram mal. O gnosticismo e o pelagianismo são
tentações constantes da Igreja. Estamos tão preocupados, e com razão, que tudo
deve honrar as celebrações litúrgicas, e isso é bom – ainda que, muitas vezes,
acabemos por nos confortar apenas a nós próprios – mas São João Crisóstomo
adverte-nos: “Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja objeto
de desprezo nos seus membros, isto é, nos pobres, que não têm roupa para se
cobrir. Não o honres aqui na igreja com tecidos de seda, se, depois, fora não
cuidas dele, quando sofre de frio e nudez. Aquele que disse: ‘Isto é o meu
corpo’, confirmando este facto por palavras, disse também: ‘Vistes-me com fome
e não me destes de comer’, e ‘Todas as vezes que não fizestes isto a um destes
pequeninos, não o fizestes a mim’”. (Homilias sobre o Evangelho de
Mateus, 50,3). “Mas, padre, o que estás a dizer? Os pobres, os mendigos, os
jovens toxicodependentes, todos estes que a sociedade descarta, fazem parte do
Sínodo?”. Sim, meu caro, sim, minha cara: não sou eu que o digo, é o Senhor que
o diz: eles fazem parte da Igreja. A ponto de, se não os chamares – veremos
como – ou se não fores ter com eles para passar algum tempo com eles, para ouvir
não o que eles dizem, mas o que ouvem, até os insultos que te dirigem, não
estás a fazer bem o Sínodo. O Sínodo vai até aos limites, engloba todos. O
Sínodo é também dar espaço ao diálogo sobre as nossas misérias, as misérias que
eu, como vosso bispo, tenho, as misérias que têm os bispos auxiliares, as
misérias que têm os sacerdotes e os leigos e os que pertencem às associações;
tomar toda esta miséria! Mas se não incluirmos os miseráveis – entre aspas – da
sociedade, os descartados, nunca seremos capazes de nos encarregar das nossas
misérias. E isto é importante: que no diálogo possam emergir as nossas próprias
misérias, sem justificações. Não tenhais medo!
É
preciso sentir que fazemos parte de um grande povo destinatário das promessas
divinas, abertas a um futuro que espera que cada um possa participar no
banquete preparado por Deus para todos os povos (cf. Is 25,6). E aqui
gostaria de salientar que mesmo sobre o conceito de “Povo de Deus” pode haver
hermenêuticas rígidas e antagónicas, ficando presos à ideia de uma
exclusividade, de um privilégio, como aconteceu com a interpretação do conceito
de “eleição” que os profetas corrigiram, indicando como devia ser corretamente
entendido. Não se trata de um privilégio – ser Povo de Deus – mas de um dom que
alguém recebe… Para si próprio? Não! Para todos. O dom é para dar: esta é a
vocação. É um dom que alguém recebe para todos, que nós recebemos para os
outros, é um dom que também é uma responsabilidade. A responsabilidade de
testemunhar com ações e não apenas com palavras as maravilhas de Deus, que, se
forem conhecidas, ajudam as pessoas a descobrir a sua existência e a acolher a
sua salvação. A eleição é um dom. E a questão é: o meu ser cristão, a minha
confissão cristã, como é que o ofereço, como é que o dou? A vontade salvífica
universal de Deus oferece-se à história, a toda a humanidade através da
encarnação do seu Filho, para que todos, através da mediação da Igreja, possam
tornar-se seus filhos e irmãos e irmãs entre si. É deste modo que se realiza a
reconciliação universal entre Deus e a humanidade, aquela unidade de todo o
género humano, da qual a Igreja é sinal e instrumento (cf. Lumen Gentium,
1). Já antes do Concílio Vaticano II tinha amadurecido a reflexão, elaborada
com base num estudo cuidadoso dos Padres, que o Povo de Deus está inclinado
para a realização do Reino, para a unidade do género humano criado e amado por
Deus. E a Igreja tal como a conhecemos e experimentamos, na sucessão
apostólica, esta Igreja deve sentir que está em relação com esta eleição
universal e, por isso mesmo, deve cumprir a sua missão. Foi com este
espírito que escrevi a Fratelli tutti. A Igreja, como dizia São Paulo
VI, é mestra de humanidade, que hoje tem o objetivo de tornar-se uma escola de
fraternidade.
Porque
é que vos digo estas coisas? Porque no caminho sinodal, a escuta deve ter em
conta o sensus fidei, mas não deve ignorar todos aqueles
“pressentimentos” encarnados onde não os esperaríamos: pode haver um “faro sem
cidadania”, mas não é menos eficaz. O Espírito Santo, na sua liberdade, não
conhece confins, nem sequer se deixa limitar pelas pertenças. Se a paróquia é a
casa de todos no bairro, não um clube exclusivo, atenção: deixai as portas e
janelas abertas, não vos limiteis a considerar apenas aqueles que frequentam ou
pensam como vós – que serão 3, 4 ou 5%, não mais. Deixai entrar toda a gente…
Deixai-vos ir ao encontro e deixai que vos interroguem, que as suas perguntas
sejam as vossas perguntas, deixai caminhar juntos: o Espírito conduzir-vos-á,
confiai no Espírito. Não tenhais medo de entrar em diálogo e deixai-vos
inquietar pelo diálogo: é o diálogo da salvação.
Não
fiqueis desencantados, preparai-vos para as surpresas. Há um episódio no
livro de Números (cap. 22) que fala de uma burra que se tornará
profetisa de Deus. Os hebreus estão a concluir a longa viagem que os levará à
terra prometida. A sua passagem assusta o rei Balac de Moab, que confia nos
poderes do mago Balaão para parar o povo, na esperança de evitar uma guerra. O
mago, um crente à sua maneira, pergunta a Deus o que fazer. Deus diz-lhe para
não alinhar com o rei, que, no entanto, insiste, e por isso ele cede, monta em
cima de uma burra para cumprir a ordem que recebeu. Mas a burra muda de direção
porque vê um anjo com uma espada desembainhada ali parado para representar a
oposição de Deus. Balaão puxa-a, bate-lhe, sem conseguir fazer que volte ao
caminho. Até que a burra começa a falar, iniciando um diálogo que abrirá os
olhos do mago, transformando a sua missão de maldição e morte numa missão de
bênção e vida.
Esta
história ensina-nos a ter confiança que o Espírito fará sempre ouvir a sua voz.
Mesmo uma burra pode tornar-se a voz de Deus, abrir-nos os olhos e converter as
nossas direções erradas. Se uma burra é capaz de o fazer, quanto mais um
batizado, uma batizada, um padre, um bispo, um papa. Basta que nos confiemos ao
Espírito Santo que usa todas as criaturas para nos falar: só nos pede que
limpemos os ouvidos para ouvirmos bem.
Vim
aqui para vos encorajar a levar a sério este processo sinodal e para vos dizer
que o Espírito Santo precisa de vós. E isto é verdade: o Espírito Santo precisa
de nós. Ouvi-o escutando-vos uns aos outros. Não deixeis ninguém de fora ou
para trás. Será bom para a Diocese de Roma e para toda a Igreja, que não se
reforça apenas reformando das estruturas – isto é um grande engano! –, dando
instruções, propondo retiros e conferências ou à força de diretivas e programas
– isto é bom, mas como parte de algo mais – mas se redescobrir que é um povo
que quer caminhar em conjunto, entre nós e com a humanidade. Um povo, o de
Roma, que contém a variedade de todos os povos e de todas as condições: que
riqueza extraordinária, na sua complexidade! Mas é preciso sair dos 3-4% que
representam os mais próximos e ir mais longe para escutar os outros, que por
vezes vos hão de insultar, vos hão de expulsar, mas é necessário ouvir o que
eles pensam, sem querer impor as nossas coisas: deixar que o Espírito nos fale.
Neste
tempo de pandemia, o Senhor impele a missão de uma Igreja para que seja
sacramento do cuidado. O mundo elevou o seu grito, manifestou a sua
vulnerabilidade: o mundo precisa de cuidado.
Coragem!
Em frente! Obrigado!
Francisco
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