PARÓQUIAS DE NISA
Quarta, 13 de outubro de 2021
Quarta-feira da XXVIII semana do tempo comum
LITURGIA
Quarta-feira
da semana XXVIII
Verde – Ofício da
féria.
Missa à escolha (cf. p. 19, n. 18).
L 1 Rom 2, 1-11; Sal 61 (62), 2-3. 6-7. 9
Ev Lc 11, 42-46
* Na Arquidiocese de Braga – B. Alexandrina de Balazar – MO
* Na Diocese de Leiria-Fátima (Santuário de Fátima) – Aniversário da Dedicação
da Basílica de Nossa Senhora do Rosário – SOLENIDADE
* No Patriarcado de Lisboa (Lisboa) – Aniversário da Dedicação da Basílica de
Nossa Senhora dos Mártires – MO
* Na Ordem Agostiniana – Comemoração de todos os benfeitores defuntos da Ordem.
* Na Ordem dos Franciscanos Capuchinhos – B. Honorato de Kozminski de Biala,
presbítero, da I Ordem – MF
* Na Congregação Salesiana e no Instituto das Filhas de Maria Auxiliadora – B.
Alexandrina Maria da Costa, virgem – MF
MISSA
ANTÍFONA
DE ENTRADA Salmo 129,
3-4
Se tiverdes em conta as nossas faltas,
Senhor, quem poderá salvar-se?
Mas em Vós está o perdão, Senhor Deus de Israel.
ORAÇÃO COLECTA
Nós Vos pedimos, Senhor, que a vossa graça
preceda e acompanhe sempre as nossas acções
e nos torne cada vez mais atentos
à prática das boas obras.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I (anos ímpares) Rom 2, 1-11
«Retribuirá a cada um segundo as suas obras:
primeiro para o judeu, mas também para o não judeu»
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Não tens desculpa, quem quer que sejas, tu que julgas os outros. Ao julgares os
outros, condenas-te a ti próprio, pois tu, que te fazes juiz, cometes as mesmas
ações. Ora nós sabemos que o juízo de Deus se exerce conforme a verdade contra
aqueles que praticam essas ações. E tu, que fazes as mesmas coisas que condenas
nos outros, pensas que te furtarás ao juízo de Deus? Ou desprezas as riquezas
da sua bondade, paciência e magnanimidade, não reconhecendo que a bondade de
Deus te convida à conversão? Pela tua obstinação e pelo teu coração
impenitente, estás a acumular contra ti um tesouro de ira para o dia da ira, em
que se revelará o justo juízo de Deus, que retribuirá a cada um segundo as suas
obras: a vida eterna para aqueles que, perseverando na prática das boas obras,
procuram a glória, a honra e a imortalidade; a ira e a indignação para aqueles
que, pela sua rebeldia, rejeitam a verdade e obedecem à injustiça. Tribulação e
angústia para todo o homem que pratica o mal: primeiro para o judeu, mas também
para o não judeu; glória, honra e paz para todo aquele que pratica o bem:
primeiro para o judeu, mas também para o não judeu. Porque Deus não faz aceção
de pessoas.
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 61 (62), 2-3.6-7.9 (R. 13b)
Refrão: Só em Deus descansa, ó minha
alma. Repete-se
Só em Deus descansa a minha alma,
d’Ele me vem a salvação.
Ele é meu refúgio e salvação,
minha fortaleza: jamais serei abalado. Refrão
Minha alma, só em Deus descansa:
d’Ele vem a minha esperança.
Ele é meu refúgio e salvação,
minha fortaleza: jamais serei abalado. Refrão
Povo de Deus,
em todo o tempo ponde n’Ele a vossa confiança,
desafogai em sua presença os vossos corações.
Deus é o nosso refúgio. Refrão
ALELUIA Jo 10, 27
Refrão: Aleluia. Repete-se
As minhas ovelhas escutam a minha voz, diz o Senhor;
Eu conheço as minhas ovelhas e elas seguem-Me. Refrão
EVANGELHO Lc 11, 42-46
«Ai de vós, fariseus! Ai de vós, doutores da lei!»
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, disse o Senhor: «Ai de vós, fariseus, porque pagais o dízimo da
hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas desprezais a justiça e o amor
de Deus! Devíeis praticar estas coisas, sem omitir aquelas. Ai de vós,
fariseus, porque gostais do primeiro lugar nas sinagogas e das saudações na
praça pública! Ai de vós, porque sois como sepulcros disfarçados, sobre os
quais passamos sem o saber!». Então um dos doutores da lei tomou a palavra e
disse a Jesus: «Mestre, ao dizeres essas palavras também nos insultas a nós».
Jesus respondeu: «Ai de vós também, doutores da lei, porque impondes aos homens
fardos insuportáveis e vós próprios nem com um só dedo tocais nesses fardos!».
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Aceitai, Senhor,
as orações e as ofertas dos vossos fiéis
e fazei que esta celebração sagrada
nos encaminhe para a glória do Céu.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Salmo 33, 11
Os ricos empobrecem e passam fome;
mas nada falta aos que procuram o Senhor.
Ou cf. 1 Jo 3, 2
Quando o Senhor Se manifestar,
seremos semelhantes a Ele,
porque O veremos na sua glória.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Deus de infinita bondade,
que nos alimentais com o Corpo e o Sangue do vosso Filho,
tornai-nos também participantes da sua natureza divina.
Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
MÉTODO
DE ORAÇÃO BÍBLICA
1. Leitura: - Lê, respeita, situa o que lês.
- Detém-te no conteúdo de fé e da
passagem que leste
2. Meditação: - Interioriza, dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa que a passagem da Palavra de
Deus que leste “leia a tua vida”
3. Oração: - Louva o Senhor, suplica, escuta.
- Dirige-te a Deus que te falou através
da Sua Palavra.
LEITURAS: Rom 2, 1-11: Em
Roma havia, no tempo de S. Paulo, cristãos de origem judaica e cristãos de
origem pagã. Os de origem judaica pretendiam ser privilegiados em relação aos
de origem pagã, que viviam de maneira, por vezes, vergonhosa. Mas S. Paulo
previne uns e outros, para que se não julguem mutuamente; só Deus é o juiz,
tanto mais que ambos os grupos cometem, por vezes, as mesmas ações. Mas cada um
será julgado segundo a sua própria responsabilidade.
Lc 11, 42-46: Esta
passagem, na continuação da leitura de ontem, apresenta uma série de maldições,
dirigidas contra os fariseus, por meio das quais o Senhor quer fazer
compreender o espírito da sua nova doutrina. Jesus não condena as formas de
vida anteriores à sua pregação, mas pretende levar os seus ouvintes a descobrir
que, por detrás do cumprimento material da lei, está a justiça e o amor, a
pobreza de espírito e a humildade de coração, coisas que os seus ouvintes ainda
não tinham chegado a descobrir.
AGENDA DO DIA:
11.00 horas: Funeral em
Nisa
15.00 horas: Missa no Lar de Arês
17.00 horas: Missa em
Gáfete
18.00 horas: Missa em
Alpalhão
18.00 horas: Missa em Tolosa
21.00 horas: Reunião de catequese em Nisa.
PENSAMENTO
DO DIA
« Buscai primeiramente
o que une, em vez de buscar o que divide»
São João XXIII
A VOZ DO PASTOR:
NA MINHA IDADE NÃO FICA BEM FINGIR...
A resposta em título é de Eleazar. Conhecem-no?!...
Não puxem mais pela cabeça, ele não faz parte do plantel do Sporting, nem do
Maria da Fonte, nem do Benfica ou do Courense, muito menos do Estrela de
Portalegre, do Barrancos ou do Calheta. Tampouco era um apanha bolas suplente
ao lado do retângulo do Porto. Coitado, já faz muito tempo que morreu numa
competitiva final contra terríveis adversários! Mas sempre foi um grande atleta
nos jogos da vida e não se atirava para o chão a fingir obstrução em busca de
ganhos para si e castigo para os outros. Conhecedor profundo das regras do
jogo, tornou-se um dos mais valorosos de entre os melhores do seu tempo. Tendo
chegado a idade avançada, os seus colegas e amigos de longa data - uns
arranjistas, aliás! -, viraram a casaca, trocaram de clube ou fingiram que sim,
tal como aqueles que vestem a camisola dum clube mas pagam as cotas a outro. Pois
aqueles ditos cujos, em dada altura, quiseram rasteirar Eleazar para o
desequilibrar e estatelar no relvado. Chamaram-no à parte, açucararam o
palavreado, aliciaram-no a mudar de cor clubística. Perante a sua relutância em
tal proposta, insistiram em que, se quisesse continuar selecionado e salvar a
pele, pelo menos teria de fingir que cumpria o que lhe era mandado. Só assim, o
presidente ao tempo, um tal Epifânio de nome, e seus assanhados treinadores não
o expulsariam do jogo da vida à paulada e coisa mais mortífera. Eleazar, porém,
não foi em cantigas, manteve-se forte e firme. Com serenidade e a garra
habitual, deu uma resposta de atleta experimentado e leal, digna de cabelos
brancos. Fingir, para ele, não passaria de uma mentira, seria uma demissão, uma
cobardia, um mau exemplo. Tendo presente que o valor humano se mede, não tanto
pela duração da vida, mas sim pela integridade do testemunho, ele ripostou que
não o faria. Se o fizesse, até os mais velhos pensariam que ele, um velho de
noventa anos chamado Eleazar, perdera o juízo. Seria enganar terceiros e só
ganharia desprezo. Além disso, ele estava consciente de que, mesmo que, no
presente, se livrasse do castigo humano, nem vivo nem morto conseguiria escapar
das mãos do Autor das regras a quem sempre permaneceu fiel nos jogos da vida.
Por isso, dizia, “se eu passar corajosamente para a outra vida, mostrar-me-ei
digno da minha idade. Para os mais jovens, posso deixar um exemplo honrado,
mostrando como se deve morrer corajosa e dignamente” (cf. 2Mac 6, 18-31).
Aos olhos de muitos, toda esta fidelidade pode não
passar de uma tontice, uma loucura, um escândalo, um fanatismo. Convido o
leitor a escutar o autor do Livro da Sabedoria: “As almas dos justos estão na
mão de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos dos insensatos parecem
ter morrido; a sua saída deste mundo foi considerada uma desgraça e a sua
partida do meio de nós, um aniquilamento. Mas eles estão em paz. Aos olhos dos
homens eles sofreram um castigo, mas a sua esperança estava cheia de imortalidade.
Depois de leve pena, terão grandes benefícios, porque Deus os pôs à prova e os
achou dignos de si (Sb 3,1-15).
Logo que Jesus se apresentou entre nós como Caminho,
Verdade e Vida e nos ensinou a linguagem da cruz, aquela linguagem que o mundo
despreza e acha sem valor, mas que confunde os sábios e os fortes deste mundo,
dá-se um caso interessante que torno presente. Natanael era um estudioso da
Lei, um sábio do tempo, não arrogante nem fechado no que sabia, mas um homem
sincero e humilde que buscava a verdade e esperava o Messias do qual as
Escrituras, que ele conhecia muito bem, falavam que haveria de vir. Um dia,
Filipe cruzou-se com Ele e dá-lhe a notícia de que tinha visto o Messias, que
era de Nazaré, que era filho de José. Natanael, como bom judeu e aberto à
novidade, mas também, conforme a cultura do tempo preconceituoso em relação à
pequenina terra de Nazaré, como que mete um travão na confiança que Filipe
manifestava nesse Messias. E interpela-o, sério: “De Nazaré pode vir alguma
coisa boa?”. Filipe, porém, não desiste do amigo Natanael, convida-o e
acompanha-o ao encontro de Jesus para ambos partilharem essa boa notícia. ‘Anda
daí, pá, e verás’, e lá foram!... Quando Jesus olhou Natanael, elogiou a sua
honestidade e autenticidade, dizendo: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não
existe fingimento” (Jo 1, 45-51). Natanael, admirado por Jesus o conhecer, o
acolher e lhe prestar tanta atenção, fica sensibilizado pelo apreço que Jesus
lhe manifesta, pelo que lhe diz, e logo se sente interiormente apanhado e
desarmado pela pessoa de Jesus sobre o qual imediatamente proclama: “Rabi, Tu
és o Filho de Deus, Tu és o rei de Israel” (Jo 1, 49). A partir dali, começou a
fazer parte do grupo dos amigos de Jesus, entrou na sua escola. Estava ateado o
fogo do amor no coração de Natanael, tornou-se um verdadeiro apóstolo da
verdade e da justiça, tarefa das pessoas de boa vontade. E se a fama de Jesus
se espalhava cada vez mais por toda a parte (Lc 5, 15), continuará a
espalhar-se com a palavra e o testemunho de pessoas que, tal como Filipe, sejam
capazes de partilhar a alegria de ver e experimentar a amizade de Jesus.
Pessoas que saibam convidar os outros ao seu encontro, anunciando, com ternura
e beleza, a pessoa e a linguagem da cruz que Jesus nos ensinou, bem como a
jubilosa alegria e as dinâmicas que explodiram sobre o mundo com a sua
Ressurreição. Mesmo que tudo possa continuar a ser loucura para uns e escândalo
para outros, mesmo que tudo isso possa continuar a confundir os sábios e os
poderosos deste mundo, só Jesus Cristo redime, salva, liberta, dá sentido à
vida e às coisas da vida. Só Ele é o alicerce, a pedra angular sobre a qual
assenta a construção de um mundo cada vez mais justo e intelectualmente
habitável, com a colaboração de todas as pessoas de boa vontade em todas as
áreas do saber, do ter e do poder. “A loucura de Deus é mais sábia do que os
homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (cf. 1Cor 1, 17-31).
Mesmo que as causas da indiferença ou do voltar de
costas ao autor dos cosmos e da vida possam ser muitas e diversas, o Papa
Francisco lembra-nos que o Diabo anda por aí, finge-se “educado”, toca à
campainha delicadamente, com diplomacia, pede licença para entrar, entra,
observa, faz-se amigo, seduz à infidelidade entre esposos, destrói famílias,
alicia aos vícios e à corrupção, torna as pessoas voláteis, canas agitadas pelo
vento, tudo apresenta como se tudo fosse digno, bom e permitido. De forma
empática e suave, cativa para logo empurrar com aplausos e grande festa para “o
espírito do mundo que nos arruína e corrompe a partir de dentro».
Eleazar resistiu a tais ciladas, foi perseguido e
morto pela sua fidelidade a Deus. Cristo Jesus ressuscitado, eternamente vivo e
presente, continua a ser perseguido e morto. Armam-lhe ciladas, pedem-lhe que
se afaste, entregam-no aos inimigos, condenam-no à morte, os barrabás e toda a
pilataria têm preferência. Quando Paulo respirava ameaças e morte contra os
cristãos e se encaminhava para Damasco para os prender e trazer para as prisões
e morte, Jesus fez-se encontrado, e perante a pergunta de Paulo sobre quem é
que Ele era, Jesus responde-lhe: “Eu sou Jesus a quem tu persegues” (At 9, 5).
O “que fizerdes aos outros é a mim que o fazeis” (cf. Mt 25, 45). Tal como
Eleazar, os cristãos perseguidos em tantos lugares do mundo continuam a
testemunhar que são pessoas de antes quebrar que torcer. Eles sabem em quem
acreditam e confiam. O seu comportamento é forte estímulo para nós, até nos
envergonha por tão frios que podemos ser na formação, na prática, na vivência e
no anúncio da fé!
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 08-10-2021.
***********
DISCURSO
DO SANTO PADRE FRANCISCO AOS FIÉIS DA DIOCESE DE ROMA
Sala
Paulo VI - Sábado, 18 de setembro de 2021
Caros
irmãos e irmãs, bom dia!
Como
sabeis – não é uma novidade! –, está prestes a começar um processo sinodal, um
caminho em que toda a Igreja está empenhada à volta do tema “Para uma Igreja
sinodal: comunhão, participação, missão”: três pilares. Estão previstas três
fases, que terão lugar entre outubro de 2021 e outubro de 2023. Este itinerário
foi concebido como um dinamismo de escuta recíproca – quero sublinhar
isto: um dinamismo de escuta recíproca –, conduzido a todos os níveis da
Igreja, envolvendo todo o povo de Deus. O Cardeal Vigário e os Bispos
Auxiliares devem escutar-se uns aos outros; os sacerdotes devem escutar-se uns
aos outros; os religiosos devem escutar-se uns aos outros; os leigos devem
escutar-se uns aos outros. E, depois, escutar-se todos uns aos outros.
Escutar-se uns aos outros; falar uns com os outros e ouvir-se uns aos outros.
Não se trata de recolher opiniões, não. Não é um inquérito! Trata-se de escutar
o Espírito Santo, como encontramos no livro do Apocalipse: “Quem tem
ouvidos oiça o que o Espírito diz às Igrejas” (2,7). Ter ouvidos, ouvir, é
o primeiro empenho. Trata-se de escutar a voz de Deus, perceber a sua presença,
intercetar a sua passagem e o seu sopro de vida. Aconteceu com o profeta Elias:
ele descobriu que Deus é sempre um Deus de surpresas, até no modo como passa e
se faz ouvir:
«Uma
forte rajada de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos, mas o Senhor
não estava no vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto, mas o Senhor não
estava no terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo, mas o Senhor não
estava no fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu,
Elias cobriu o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta» (1Rs
19, 11-13).
É
assim que Deus nos fala. E é devido a esta “ligeira brisa” – que os exegetas também
traduzem como “uma fina voz de silêncio” e outros como “um fio de silêncio
sonoro” – que devemos pôr os nossos ouvidos alerta, para escutar esta brisa de
Deus.
A
primeira etapa do processo (outubro 2021 – abril 2022) diz respeito a cada uma
das Igrejas diocesanas. E é por isso que estou aqui, como vosso bispo, a
partilhar, porque é muito importante que a Diocese de Roma se empenhe
convictamente neste caminho. Era uma má figura, se a diocese do Papa não se
empenhasse nisto. Não seria? Má figura do Papa e vossa também.
O
tema da sinodalidade não é um capítulo de um tratado de eclesiologia; muito
menos, uma moda, um slogan ou um novo termo para usar ou instrumentalizar nas
nossas reuniões. Não! A sinodalidade exprime a natureza da Igreja, a sua forma,
o seu estilo, a sua missão. E, portanto, falamos da Igreja sinodal, mas
evitando pensar que se trata de um título entre outros, uma forma de a
conceber, mas que prevê alternativas. Não digo isto com base numa opinião
teológica, nem sequer como um pensamento pessoal, mas estou a seguir o livro
que podemos considerar como o primeiro e mais importante “manual” de
eclesiologia, que é o livro dos Atos dos Apóstolos.
A
palavra “sínodo” contém tudo o que é útil para compreender: “caminhar juntos”.
O livro de Atos é a história de um caminho que parte de Jerusalém e,
através da Samaria e da Judeia, continua nas regiões da Síria e da Ásia Menor e
depois na Grécia e termina em Roma. Este percurso conta a história em que a
Palavra de Deus e as pessoas que dirigem a sua atenção e a sua fé para essa
Palavra caminham juntas. A Palavra de Deus caminha connosco. Todos são
protagonistas, ninguém pode ser considerado um simples figurante. É preciso
compreender bem isto: todos são protagonistas. O protagonista já não é o Papa,
o Cardeal Vigário, os Bispos Auxiliares; não: somos todos protagonistas, e
ninguém pode ser considerado um simples figurante. Nessa altura, os ministérios
ainda eram considerados serviços autênticos. E a autoridade nascia da escuta da
voz de Deus e do povo – nunca os separarem – o que mantinha “em baixo” aqueles
que a recebiam. O “baixo” da vida, ao qual era preciso prestar o serviço da
caridade e da fé. Mas não é só por causa dos lugares geográficos que atravessa
que essa história está em movimento. Ela exprime uma contínua inquietude
interior – é uma palavra-chave, a inquietude interior. Se um cristão
não sente esta inquietude interior, se não a vive, falta-lhe alguma
coisa; e esta inquietude interior nasce da fé de cada um e convida-nos a
ponderar o que o que é melhor fazer, o que se deve manter ou mudar. Esta
história ensina-nos que ficar parados não pode ser uma boa condição para a
Igreja (cf. Evangelii gaudium, 23). E o movimento é uma consequência da
docilidade ao Espírito Santo, que é o realizador desta história em que todos
são protagonistas inquietos, nunca parados.
Pedro
e Paulo não são apenas duas pessoas, cada um com o seu caráter; são visões
inseridas em horizontes maiores do que eles, capazes de se repensarem em
relação com o que vai acontecendo, testemunhas de um impulso que os coloca em
crise – mais uma expressão para recordar sempre: colocar em crise –, que os
leva a ter ousadia, a questionar, a reconsiderar, a cometer erros e a aprender
com eles e, sobretudo, a ter esperança apesar das dificuldades. São discípulos
do Espírito Santo, que os faz descobrir a geografia da salvação divina, abrindo
portas e janelas, derrubando paredes, quebrando correntes, libertando
fronteiras. Então pode ser necessário partir, mudar de direção, ultrapassar as
convicções que nos retêm e nos impedem de nos deslocarmos e de caminharmos
juntos.
Podemos
ver o Espírito a levar Pedro à casa de Cornélio, o centurião pagão, apesar das
suas hesitações. Lembrem-se: Pedro teve uma visão que o perturbava, em que lhe
era pedido que comesse coisas consideradas impuras e ele, apesar da certeza de
que o que Deus purifica deixa de ser considerado impuro, ficou perplexo. Estava
a tentar compreender e chegaram os homens enviados por Cornélio. Também ele
tinha recebido uma visão e uma mensagem. Era um oficial romano, piedoso, que
simpatizava com o judaísmo, mas não ainda suficientemente para ser totalmente
judeu ou cristão: nenhuma “alfândega” religiosa o teria deixado passar. Ele era
pagão e, no entanto, fora-lhe revelado que as suas orações tinham chegado a
Deus e que deveria enviar alguém para dizer a Pedro para vir a sua casa. Neste
suspense, por um lado, Pedro com as suas dúvidas e, por outro, Cornélio à
espera naquela zona sombria, é o Espírito que dissolve a resistência de Pedro e
abre uma nova página da missão. É assim que o Espírito se move. O encontro
entre os dois sela uma das mais belas frases do cristianismo. Cornélio tinha
ido ao seu encontro, tinha-se atirado aos seus pés, mas Pedro levantou-o e
disse: “Levanta-te, eu também sou um homem” (At 10,26). Todos
dizemos isto: “Eu sou homem; eu sou mulher; somos humanos”. Todos
deveríamos dizer isto, mesmo os Bispos, todos nós: “Levanta-te: eu também
sou um homem”. E o texto sublinha que conversou com ele de maneira familiar
(cf. v. 27). O cristianismo deve ser sempre humano, humanizante, conciliando
diferenças e distâncias e transformando-as em familiaridade, em proximidade. Um
dos males da Igreja, ou melhor, uma perversão, é este clericalismo que separa o
padre, o bispo do povo. O bispo e o padre separado do povo é um oficial, não é
um pastor. São Paulo VI gostava muito de citar a máxima de Terêncio: “Sou um
Homem, nada do que é humano me é estranho”. O encontro entre Pedro e
Cornélio resolveu um problema, favoreceu a decisão de eles se sentirem livres
para pregarem diretamente aos pagãos, com a convicção – são palavras de Pedro –
de “que Deus não faz aceção de pessoas” (At 10:34). Em nome de
Deus, não se pode discriminar. E a discriminação é um pecado mesmo entre nós: “nós
somos os puros, nós somos os eleitos, nós somos deste movimento que sabe tudo,
nós somos...”. Não! Nós somos Igreja, todos juntos.
Vede,
não podemos compreender a “catolicidade” sem nos referirmos a este campo amplo
e hospitaleiro, que nunca delimita as fronteiras. Ser Igreja é um caminho para
entrar nesta amplitude de Deus. Depois, voltando aos Atos dos Apóstolos,
há os problemas que surgem na organização do crescente número de cristãos, e
especialmente para prover às necessidades dos pobres. Alguns apontam para o facto
de não se estar a cuidar das viúvas. O modo com que há de encontrar uma solução
é reunir a assembleia dos discípulos e tomar juntos a decisão de designar
aqueles sete homens que ficariam empenhados a tempo inteiro com a diaconia,
com o serviço das mesas (At 6,1-7). E assim, com o discernimento, com as
necessidades, com a realidade da vida e a força do Espírito, a Igreja avança,
caminha em conjunto, é sinodal. Mas está sempre presente o Espírito como grande
protagonista da Igreja.
Além
disso, há também o confronto entre diferentes visões e expectativas. Não
devemos ter medo de que isto aconteça ainda hoje. Quem dera que se pudesse
discutir assim! São sinais de docilidade e de abertura ao Espírito. Também se
pode levantar confrontos que atingem amplitudes dramáticas, como aconteceu com
o problema da circuncisão dos pagãos, até à deliberação daquele que chamamos o
Concílio de Jerusalém, o primeiro Concílio. Como acontece ainda hoje, há um
modo rígido de olhar para as circunstâncias, que mortifica a makrothymía
de Deus, ou seja, aquela paciência do olhar que se alimenta de visões
profundas, visões amplas, visões de horizontes alargados: Deus vê longe, Deus
não tem pressa. A rigidez é outra perversão que é um pecado contra a paciência
de Deus, é um pecado contra esta soberania de Deus. Isto acontece também hoje.
Tinha
acontecido naquele tempo: alguns, convertidos do judaísmo, consideravam, na sua
autorreferencialidade, que não podia haver salvação sem se submeterem à Lei de
Moisés. Deste modo, contestava-se Paulo, que proclamava a salvação diretamente
em nome de Jesus. Opor-se à sua ação teria comprometido o acolhimento dos
pagãos que, entretanto, se iam convertendo. Paulo e Barnabé foram enviados a
Jerusalém pelos Apóstolos e pelos anciãos. Não foi fácil: diante deste
problema, as posições pareciam inconciliáveis, discutiu-se longamente. Era uma
questão de reconhecer a liberdade da ação de Deus, e que não havia obstáculos
que O pudessem impedir de chegar ao coração das pessoas, independentemente da
sua condição de proveniência, moral ou religiosa. O que desbloqueou a situação
foi a adesão à evidência de que “Deus, que conhece corações”, o cardignosta,
conhece os corações, Ele próprio apoiava a causa a favor da possibilidade
de os gentios serem admitidos à salvação, “ao conceder-lhes o Espírito Santo
como a nós” (At 15,8), concedendo assim o Espírito Santo também aos
pagãos, como a nós. Deste modo, prevaleceu o respeito por todas as
sensibilidades, moderando os excessos; a experiência de Pedro com Cornélio foi
preciosa: assim, no documento final, encontramos o testemunho do protagonismo
do Espírito neste caminho de decisões e da sabedoria que é sempre capaz de
inspirar: “Pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós, não vos impor
qualquer outra obrigação”, além do indispensável (At 15:28). “Nós”:
Neste Sínodo, vamos pelo caminho de poder dizer “pareceu-nos bem, ao Espírito
Santo e a nós", porque estareis em diálogo contínuo uns com os
outros sob a ação do Espírito Santo. Não se esqueçam desta fórmula: “Pareceu-nos
bem, ao Espírito Santo e a nós, não vos impor qualquer outra obrigação”:
pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós. É assim que deveis tentar
expressar-vos neste percurso sinodal, neste caminho sinodal. Se o Espírito não
estiver presente, será um parlamento diocesano, mas não um Sínodo. Não estamos
a fazer um parlamento diocesano; não estamos a fazer um estudo sobre isto ou
aquilo. Não! Estamos a fazer um caminho de nos escutarmos uns aos outros e de
escutarmos o Espírito Santo, de discutir e também de discutir com o Espírito
Santo, que é uma maneira de rezar.
“O
Espírito Santo e nós”. Além disso, há sempre a tentação de fazer tudo sozinhos,
dando expressão a uma eclesiologia substitutiva – há tantas
eclesiologias substitutivas – como se, depois de ter subido ao Céu, o Senhor
tivesse deixado um vazio por preencher, e nós é que o preenchemos. Não! O
Senhor deixou-nos o Espírito! Mas as palavras de Jesus são claras: “Eu
pedirei ao Pai, que vos dará outro Paráclito, para estar sempre convosco. [...]
Não vos deixarei órfãos” (Jo 14,16.18). Para o cumprimento desta
promessa, a Igreja é um sacramento, como se afirma na Lumen Gentium, n.
1: “A Igreja, em Cristo, é como que o sacramento, ou seja, o sinal e o
instrumento da íntima união com Deus e da unidade de todo o género humano”.
Nesta frase, que recolhe o testemunho do Concílio de Jerusalém, está o
desmentido de quem insiste em tomar o lugar de Deus, com a pretensão de modelar
a Igreja com base nas suas convicções culturais e históricas, forçando-a a ter
fronteiras armadas, alfândegas culpabilizantes, a espiritualidades que
blasfemam contra a gratuidade da ação envolvente de Deus. Quando a Igreja,
pelas suas palavras e ações, é testemunha do amor incondicional de Deus, da sua
amplitude hospitaleira, ela exprime verdadeiramente a sua própria catolicidade.
E é impelida, interiormente e exteriormente, a atravessar os espaços e
os tempos. O impulso e a capacidade vêm do Espírito: “Recebereis a força do
Espírito Santo, que descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém
e em toda a Judeia e na Samaria e até aos confins da terra” (At
1,8). Receber o poder do Espírito Santo para sermos testemunhas: este é o
caminho da Igreja e nós seremos Igreja se formos por este caminho.
Igreja
sinodal significa Igreja sacramento desta promessa – ou seja, que o Espírito
estará connosco – que se manifesta cultivando a intimidade com o Espírito e com
o mundo que há de vir. Haverá sempre discussões, graças a Deus, mas as soluções
devem ser procuradas dando a palavra a Deus e às suas vozes no meio de nós;
rezando e abrindo os olhos para tudo o que nos rodeia; praticando uma vida fiel
ao Evangelho; questionando a Revelação de acordo com uma hermenêutica
peregrina que sabe preservar o caminho iniciado nos Atos dos
Apóstolos. E isto é importante: o modo de compreender, de interpretar. Uma hermenêutica
peregrina, ou seja, que está a caminho. O caminho que começou depois do
Concílio? Não! Começou com os primeiros Apóstolos, e continua. Quando a Igreja
para, deixa de ser Igreja para ser uma bela associação piedosa, porque engaiola
o Espírito Santo. Uma hermenêutica peregrina que sabe preservar o
caminho iniciado nos Atos dos Apóstolos. Caso contrário, estaríamos a
humilhar o Espírito Santo. Gustav Mahler – já o disse noutras ocasiões –
defendia que a fidelidade à tradição não consiste em adorar as cinzas, mas em
conservar o fogo. Pergunto-vos: Antes de iniciar este caminho sinodal, estais
mais inclinados a quê? A conservar as cinzas da Igreja, ou seja, da vossa
associação, do vosso grupo? Ou a conservar o fogo? Estais mais inclinados para
adorar as vossas coisas, que vos fecham – eu sou de Pedro, eu sou de Paulo; eu
dou desta associação, vós sois daqueloutra; eu sou padre, eu sou bispo – ou
sentis-vos chamados a conservar o fogo do Espírito? Gustav Mahler foi um
grande compositor, mas é também um mestre da sabedoria com esta reflexão. A Dei
Verbum (n. 8), citando a Carta aos Hebreus, afirma: “Deus, que
outrora falou (cf. Heb 1,1), dialoga sem interrupção com a esposa
do seu amado Filho”. Há uma fórmula de São Vicente de Lérins que é muito
feliz. Comparando o ser humano em crescimento e a Tradição transmitida de uma
geração à outra, ele afirma que não se pode conservar o “depósito da fé” sem o
fazer progredir: “consolidando-se com os anos, desenvolvendo-se com o tempo,
aprofundando-se com a idade” (Commonitorium primum, 23,9: “ut
annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur aetate”). Este é o estilo
do nosso caminho: as realidades, se não caminham, são como as águas. As
realidades teológicas são como a água: se a água não corre e ficar estagnada, é
a primeira a entrar em putrefação. Uma Igreja estagnada começa a apodrecer.
Vede
como a nossa Tradição é uma massa fermentada, uma realidade em fermento na qual
podemos reconhecer o crescimento, e na farinha amassada uma comunhão que se
realiza em movimento: caminhar em conjunto realiza a verdadeira comunhão. É
mais uma vez o livro dos Atos dos Apóstolos a ajudar-nos, mostrando-nos
que a comunhão não suprime as diferenças. É a surpresa do Pentecostes, quando
línguas diferentes não são obstáculos: embora fossem estranhos uns aos outros,
graças à ação do Espírito, “ouve cada um de nós falar na sua própria língua
materna” (At 2,8). Sentir-se em casa; diferentes, mas solidários no
caminho. Desculpai-me por ser tão longo, mas o Sínodo é um assunto sério e é
por isso que tomei a liberdade de falar...
Voltando
ao processo sinodal, a fase diocesana é muito importante, porque realiza a
auscultação da totalidade dos batizados, o sujeito do sensus fidei
infalível in credendo. Há muitas resistências para superar a imagem de
uma Igreja rigidamente dividida entre chefes e subordinados, entre os que
ensinam e os que têm de aprender, esquecendo que Deus gosta de inverter as
posições: “Derrubou os poderosos dos seus tronos, exaltou os humildes” (Lc
1,52), disse Maria. Caminhar juntos descobre que a sua linha é mais a
horizontalidade que a verticalidade. A Igreja sinodal restaura o horizonte a
partir do qual nasce o sol Cristo: erguer monumentos hierárquicos significa
cobri-lo. Os pastores caminham com o povo: nós, pastores, caminhamos com o
povo, umas vezes à frente, outras no meio e outras atrás. O bom pastor deve
caminhar assim: à frente para guiar, no meio para encorajar e não esquecer o
cheiro do rebanho, atrás porque o povo também tem “faro”. Tem faro para
encontrar novos caminhos ou para reencontrar o caminho que tinha perdido. Quero
sublinhar isto, também aos bispos e padres da diocese. No seu caminho sinodal,
eles que se perguntem: “Eu sou capaz de caminhar, de me mover, à frente, no
meio e atrás? Ou só estou na cátedra, com mitra e báculo?”. Pastores
misturados, mas pastores, não rebanho: o rebanho sabe que somos pastores, o
rebanho sabe a diferença. Na frente para mostrar o caminho, no meio para ouvir o
que o povo está a sentir e atrás para ajudar aqueles que ficam um pouco para
trás e para deixar que o povo veja um pouco com o seu faro onde estão as
melhores ervas.
O
sensus fidei garante que todos estão qualificados com a dignidade
da função profética de Jesus Cristo (cf. Lumen Gentium, 34-35), de modo
a poderem discernir quais são os caminhos do Evangelho no presente. É o “faro”
das ovelhas. Mas estejamos atentos que, na história da salvação, todos somos
ovelhas em relação ao Pastor que é o Senhor. A imagem ajuda-nos a compreender
as duas dimensões que contribuem para este “faro”. Uma pessoal e outra
comunitária: somos ovelhas e fazemos parte do rebanho que, neste caso,
representa a Igreja. Estamos a ler no Breviário, no Ofício de Leitura, o “De
pastoribus” de [Santo] Agostinho; e ele diz-nos aí: “Convosco sou
uma ovelha, para vós sou um pastor”. Estes dois aspetos, pessoal e
eclesial, são inseparáveis: não pode haver sensus fidei sem
participação na vida da Igreja, que não é somente o ativismo católico, deve
haver sobretudo aquele “sentimento” que é alimentado pelos “sentimentos de
Cristo” (Fl 2,5).
O
exercício do sensus fidei não pode ficar reduzido à comunicação e ao
confronto de opiniões que possamos ter sobre este ou aquele tema, sobre um
aspeto particular da doutrina ou sobre uma regra de disciplina. Não! Isso são
instrumentos, verbalizações, expressões dogmáticas ou disciplinares. Mas não
deve prevalecer a ideia de distinguir maiorias e minorias: isso é o que faz um
parlamento. Quantas vezes os “descartados” se tornaram “pedras angulares” (cf. Sl
118,22; Mt 21,42), os “que estavam longe” passaram a “estar perto” (Ef
2,13). Os marginalizados, os pobres, os que não têm esperança foram eleitos
como sacramento de Cristo (cf. Mt 25,31-46). A Igreja é assim. E quando
alguns grupos se quiseram destacar demasiado, esses grupos acabaram sempre mal,
até mesmo na negação da Salvação, em heresias. Pensemos naquelas heresias que
tinham a pretensão de governar a Igreja, como o pelagianismo e, depois, o
jansenismo. Todas as heresias acabaram mal. O gnosticismo e o pelagianismo são
tentações constantes da Igreja. Estamos tão preocupados, e com razão, que tudo
deve honrar as celebrações litúrgicas, e isso é bom – ainda que, muitas vezes,
acabemos por nos confortar apenas a nós próprios – mas São João Crisóstomo
adverte-nos: “Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas que seja objeto
de desprezo nos seus membros, isto é, nos pobres, que não têm roupa para se
cobrir. Não o honres aqui na igreja com tecidos de seda, se, depois, fora não
cuidas dele, quando sofre de frio e nudez. Aquele que disse: ‘Isto é o meu
corpo’, confirmando este facto por palavras, disse também: ‘Vistes-me com fome
e não me destes de comer’, e ‘Todas as vezes que não fizestes isto a um destes
pequeninos, não o fizestes a mim’”. (Homilias sobre o Evangelho de
Mateus, 50,3). “Mas, padre, o que estás a dizer? Os pobres, os mendigos, os
jovens toxicodependentes, todos estes que a sociedade descarta, fazem parte do
Sínodo?”. Sim, meu caro, sim, minha cara: não sou eu que o digo, é o Senhor que
o diz: eles fazem parte da Igreja. A ponto de, se não os chamares – veremos
como – ou se não fores ter com eles para passar algum tempo com eles, para ouvir
não o que eles dizem, mas o que ouvem, até os insultos que te dirigem, não
estás a fazer bem o Sínodo. O Sínodo vai até aos limites, engloba todos. O
Sínodo é também dar espaço ao diálogo sobre as nossas misérias, as misérias que
eu, como vosso bispo, tenho, as misérias que têm os bispos auxiliares, as
misérias que têm os sacerdotes e os leigos e os que pertencem às associações;
tomar toda esta miséria! Mas se não incluirmos os miseráveis – entre aspas – da
sociedade, os descartados, nunca seremos capazes de nos encarregar das nossas
misérias. E isto é importante: que no diálogo possam emergir as nossas próprias
misérias, sem justificações. Não tenhais medo!
É
preciso sentir que fazemos parte de um grande povo destinatário das promessas
divinas, abertas a um futuro que espera que cada um possa participar no banquete
preparado por Deus para todos os povos (cf. Is 25,6). E aqui gostaria de
salientar que mesmo sobre o conceito de “Povo de Deus” pode haver hermenêuticas
rígidas e antagónicas, ficando presos à ideia de uma exclusividade, de um
privilégio, como aconteceu com a interpretação do conceito de “eleição” que os
profetas corrigiram, indicando como devia ser corretamente entendido. Não se
trata de um privilégio – ser Povo de Deus – mas de um dom que alguém recebe…
Para si próprio? Não! Para todos. O dom é para dar: esta é a vocação. É um dom
que alguém recebe para todos, que nós recebemos para os outros, é um dom que
também é uma responsabilidade. A responsabilidade de testemunhar com ações e
não apenas com palavras as maravilhas de Deus, que, se forem conhecidas, ajudam
as pessoas a descobrir a sua existência e a acolher a sua salvação. A eleição é
um dom. E a questão é: o meu ser cristão, a minha confissão cristã, como é que
o ofereço, como é que o dou? A vontade salvífica universal de Deus oferece-se à
história, a toda a humanidade através da encarnação do seu Filho, para que
todos, através da mediação da Igreja, possam tornar-se seus filhos e irmãos e
irmãs entre si. É deste modo que se realiza a reconciliação universal entre
Deus e a humanidade, aquela unidade de todo o género humano, da qual a Igreja é
sinal e instrumento (cf. Lumen Gentium, 1). Já antes do Concílio
Vaticano II tinha amadurecido a reflexão, elaborada com base num estudo
cuidadoso dos Padres, que o Povo de Deus está inclinado para a realização do
Reino, para a unidade do género humano criado e amado por Deus. E a Igreja tal
como a conhecemos e experimentamos, na sucessão apostólica, esta Igreja deve
sentir que está em relação com esta eleição universal e, por isso mesmo,
deve cumprir a sua missão. Foi com este espírito que escrevi a Fratelli
tutti. A Igreja, como dizia São Paulo VI, é mestra de humanidade, que hoje
tem o objetivo de tornar-se uma escola de fraternidade.
Porque
é que vos digo estas coisas? Porque no caminho sinodal, a escuta deve ter em
conta o sensus fidei, mas não deve ignorar todos aqueles
“pressentimentos” encarnados onde não os esperaríamos: pode haver um “faro sem
cidadania”, mas não é menos eficaz. O Espírito Santo, na sua liberdade, não
conhece confins, nem sequer se deixa limitar pelas pertenças. Se a paróquia é a
casa de todos no bairro, não um clube exclusivo, atenção: deixai as portas e
janelas abertas, não vos limiteis a considerar apenas aqueles que frequentam ou
pensam como vós – que serão 3, 4 ou 5%, não mais. Deixai entrar toda a gente…
Deixai-vos ir ao encontro e deixai que vos interroguem, que as suas perguntas
sejam as vossas perguntas, deixai caminhar juntos: o Espírito conduzir-vos-á,
confiai no Espírito. Não tenhais medo de entrar em diálogo e deixai-vos inquietar
pelo diálogo: é o diálogo da salvação.
Não
fiqueis desencantados, preparai-vos para as surpresas. Há um episódio no
livro de Números (cap. 22) que fala de uma burra que se tornará
profetisa de Deus. Os hebreus estão a concluir a longa viagem que os levará à
terra prometida. A sua passagem assusta o rei Balac de Moab, que confia nos
poderes do mago Balaão para parar o povo, na esperança de evitar uma guerra. O
mago, um crente à sua maneira, pergunta a Deus o que fazer. Deus diz-lhe para
não alinhar com o rei, que, no entanto, insiste, e por isso ele cede, monta em
cima de uma burra para cumprir a ordem que recebeu. Mas a burra muda de direção
porque vê um anjo com uma espada desembainhada ali parado para representar a
oposição de Deus. Balaão puxa-a, bate-lhe, sem conseguir fazer que volte ao
caminho. Até que a burra começa a falar, iniciando um diálogo que abrirá os
olhos do mago, transformando a sua missão de maldição e morte numa missão de
bênção e vida.
Esta
história ensina-nos a ter confiança que o Espírito fará sempre ouvir a sua voz.
Mesmo uma burra pode tornar-se a voz de Deus, abrir-nos os olhos e converter as
nossas direções erradas. Se uma burra é capaz de o fazer, quanto mais um
batizado, uma batizada, um padre, um bispo, um papa. Basta que nos confiemos ao
Espírito Santo que usa todas as criaturas para nos falar: só nos pede que
limpemos os ouvidos para ouvirmos bem.
Vim
aqui para vos encorajar a levar a sério este processo sinodal e para vos dizer
que o Espírito Santo precisa de vós. E isto é verdade: o Espírito Santo precisa
de nós. Ouvi-o escutando-vos uns aos outros. Não deixeis ninguém de fora ou
para trás. Será bom para a Diocese de Roma e para toda a Igreja, que não se
reforça apenas reformando das estruturas – isto é um grande engano! –, dando
instruções, propondo retiros e conferências ou à força de diretivas e programas
– isto é bom, mas como parte de algo mais – mas se redescobrir que é um povo
que quer caminhar em conjunto, entre nós e com a humanidade. Um povo, o de
Roma, que contém a variedade de todos os povos e de todas as condições: que
riqueza extraordinária, na sua complexidade! Mas é preciso sair dos 3-4% que
representam os mais próximos e ir mais longe para escutar os outros, que por
vezes vos hão de insultar, vos hão de expulsar, mas é necessário ouvir o que
eles pensam, sem querer impor as nossas coisas: deixar que o Espírito nos fale.
Neste
tempo de pandemia, o Senhor impele a missão de uma Igreja para que seja
sacramento do cuidado. O mundo elevou o seu grito, manifestou a sua
vulnerabilidade: o mundo precisa de cuidado.
Coragem!
Em frente! Obrigado!
Francisco
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