PARÓQUIAS DE NISA
Sexta, 15 de outubro de 2021
Sexta-feira da XXVIII semana do tempo comum
LITURGIA
Sexta-feira da :
Nasceu em Ávila (Espanha) no ano 1515. Tendo entrado
na Ordem das Carmelitas, fez grandes progressos no caminho da perfeição e teve
revelações místicas. Ao empreender a reforma da sua Ordem teve de sofrer muitas
tribulações, mas tudo suportou com coragem invencível. A doutrina profunda que
escreveu nos seus livros é fruto das suas experiências místicas. Morreu em Alba
de Tormes (Salamanca) no ano 1582.
MISSA
ANTÍFONA DE ENTRADA Salmo
41, 2-3
Como suspira o veado pelas correntes das águas,
assim minha alma suspira por Vós, Senhor.
A minha alma tem sede do Deus vivo.
ORAÇÃO COLECTA
Senhor, que, por meio de Santa Teresa de Jesus, inspirada pelo Espírito Santo,
manifestastes à vossa Igreja o caminho da perfeição, concedei-nos a graça de
encontrar alimento na sua doutrina espiritual e de nos inflamarmos no desejo da
verdadeira santidade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus
convosco na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I Rom
8, 22-27
«O Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis»
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos : Nós
sabemos que toda a criatura geme ainda agora e sofre as dores da maternidade. E
não só ela, mas também nós, que possuímos as primícias do Espírito, gememos
interiormente, esperando a adopção filial e a libertação do nosso corpo. É em
esperança que estamos salvos, pois ver o que se espera não é esperança: quem
espera o que já vê? Mas esperar o que não vemos é esperá-lo com perseverança.
Também o Espírito Santo vem em auxílio da nossa fraqueza, porque não sabemos o
que pedir nas nossas orações; mas o próprio Espírito intercede por nós com
gemidos inefáveis. E Aquele que vê no íntimo dos corações conhece as aspirações
do Espírito, pois é em conformidade com Deus que o Espírito intercede pelos
cristãos.
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 18B (19B) 8.9.10.11 (R. cf. Jo 6, 63c)
Refrão: As vossas palavras, Senhor, são
espírito e vida.
A lei do Senhor é perfeita,
ela reconforta a alma.
As ordens do Senhor são firmes
e dão sabedoria aos simples.
Os preceitos do Senhor são rectos
e alegram o coração.
Os mandamentos do Senhor são claros
e iluminam os olhos.
O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente.
Os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são rectos.
São mais preciosos que o ouro,
o ouro mais fino;
são mais doces que o mel,
o puro mel dos favos.
ALELUIA Salmo 32 (33), 22
Refrão: Aleluia. Repete-se
Desça sobre nós a vossa bondade,
porque em Vós esperamos, Senhor. Refrão
EVANGELHO Lc 12, 1-7
«Até os cabelos da vossa cabeça estão todos contados»
Agrupam-se nesta leitura vários ensinamentos de Jesus aos seus discípulos, em
ordem a eles saberem viver num meio que lhes será adverso e a manterem-se
firmes e confiantes entre as contrariedades da vida. Uma vez mais se ouve a
recomendação tão frequente no Evangelho. “Não temais!” Pois, se o Senhor está
connosco!
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele
tempo, a multidão afluía aos milhares, a ponto de se atropelarem uns aos
outros. E Jesus começou a dizer, em primeiro lugar para os seus discípulos:
«Acautelai-vos do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia. Não há nada
encoberto que não venha a descobrir-se, nem há nada oculto que não venha a
conhecer-se. Por isso, tudo o que tiverdes dito às escuras será ouvido à luz do
dia e o que tiverdes dito aos ouvidos, nos aposentos interiores, será
proclamado sobre os telhados. Digo-vos a vós, meus amigos: Não temais os que
matam o corpo e depois nada mais podem fazer. Vou mostrar-vos a quem deveis
temer: Temei Aquele que, depois de matar, tem poder para lançar na Geena. Sim,
Eu vos digo, a Esse é que deveis temer. Não se vendem cinco passarinhos por
duas moedas? Contudo, nenhum deles é esquecido diante de Deus. Mais ainda, até
os cabelos da vossa cabeça estão todos contados. Não temais. Valeis mais do que
todos os passarinhos».
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Aceitai, Senhor, os nossos dons, como aceitastes com tanto agrado a consagração
que fez de si mesma a virgem Santa Teresa de Jesus. Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Salmo 88, 2
Cantarei eternamente as misericórdias do Senhor
e para sempre proclamarei a sua fidelidade.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor nosso Deus, que alimentais a vossa família com o pão celeste, fazei que,
a exemplo de Santa Teresa, possamos cantar eternamente as vossas misericórdias.
Por Nosso Se¬nhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do
Espírito Santo.
MÉTODO DE ORAÇÃO BÍBLICA
1. Leitura: - Lê, respeita, situa o que lês.
- Detém-te no conteúdo de fé e da
passagem que leste
2. Meditação: - Interioriza, dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa que a passagem da Palavra de
Deus que leste “leia a tua vida”
3. Oração: - Louva o Senhor, suplica, escuta.
- Dirige-te a Deus que te falou através
da Sua Palavra.
LEITURAS: Lc 12, 1-7: Agrupam-se nesta leitura vários ensinamentos de Jesus
aos seus discípulos, em ordem a eles saberem viver num meio que lhes será
adverso e a manterem-se firmes e confiantes entre as contrariedades da vida.
Uma vez mais se ouve a recomendação tão frequente no Evangelho. “Não temais!”
Pois, se o Senhor está connosco!
AGENDA DO DIA:
18.00 horas: Missa em Alpalhão – Santa Teresa de Ávila
18.00
horas: Missa em Nisa.
PENSAMENTO DO DIA
« Buscai primeiramente o que une, em vez de buscar o que divide»
São João XXIII
A VOZ DO PASTOR:
NA MINHA IDADE NÃO FICA BEM FINGIR...
A resposta em título é
de Eleazar. Conhecem-no?!... Não puxem mais pela cabeça, ele não faz parte do plantel
do Sporting, nem do Maria da Fonte, nem do Benfica ou do Courense, muito menos
do Estrela de Portalegre, do Barrancos ou do Calheta. Tampouco era um apanha
bolas suplente ao lado do retângulo do Porto. Coitado, já faz muito tempo que
morreu numa competitiva final contra terríveis adversários! Mas sempre foi um
grande atleta nos jogos da vida e não se atirava para o chão a fingir obstrução
em busca de ganhos para si e castigo para os outros. Conhecedor profundo das
regras do jogo, tornou-se um dos mais valorosos de entre os melhores do seu
tempo. Tendo chegado a idade avançada, os seus colegas e amigos de longa data -
uns arranjistas, aliás! -, viraram a casaca, trocaram de clube ou fingiram que
sim, tal como aqueles que vestem a camisola dum clube mas pagam as cotas a
outro. Pois aqueles ditos cujos, em dada altura, quiseram rasteirar Eleazar
para o desequilibrar e estatelar no relvado. Chamaram-no à parte, açucararam o
palavreado, aliciaram-no a mudar de cor clubística. Perante a sua relutância em
tal proposta, insistiram em que, se quisesse continuar selecionado e salvar a
pele, pelo menos teria de fingir que cumpria o que lhe era mandado. Só assim, o
presidente ao tempo, um tal Epifânio de nome, e seus assanhados treinadores não
o expulsariam do jogo da vida à paulada e coisa mais mortífera. Eleazar, porém,
não foi em cantigas, manteve-se forte e firme. Com serenidade e a garra
habitual, deu uma resposta de atleta experimentado e leal, digna de cabelos
brancos. Fingir, para ele, não passaria de uma mentira, seria uma demissão, uma
cobardia, um mau exemplo. Tendo presente que o valor humano se mede, não tanto
pela duração da vida, mas sim pela integridade do testemunho, ele ripostou que
não o faria. Se o fizesse, até os mais velhos pensariam que ele, um velho de
noventa anos chamado Eleazar, perdera o juízo. Seria enganar terceiros e só
ganharia desprezo. Além disso, ele estava consciente de que, mesmo que, no
presente, se livrasse do castigo humano, nem vivo nem morto conseguiria escapar
das mãos do Autor das regras a quem sempre permaneceu fiel nos jogos da vida.
Por isso, dizia, “se eu passar corajosamente para a outra vida, mostrar-me-ei
digno da minha idade. Para os mais jovens, posso deixar um exemplo honrado,
mostrando como se deve morrer corajosa e dignamente” (cf. 2Mac 6, 18-31).
Aos olhos de muitos,
toda esta fidelidade pode não passar de uma tontice, uma loucura, um escândalo,
um fanatismo. Convido o leitor a escutar o autor do Livro da Sabedoria: “As
almas dos justos estão na mão de Deus, e nenhum tormento os atingirá. Aos olhos
dos insensatos parecem ter morrido; a sua saída deste mundo foi considerada uma
desgraça e a sua partida do meio de nós, um aniquilamento. Mas eles estão em
paz. Aos olhos dos homens eles sofreram um castigo, mas a sua esperança estava
cheia de imortalidade. Depois de leve pena, terão grandes benefícios, porque
Deus os pôs à prova e os achou dignos de si (Sb 3,1-15).
Logo que Jesus se
apresentou entre nós como Caminho, Verdade e Vida e nos ensinou a linguagem da
cruz, aquela linguagem que o mundo despreza e acha sem valor, mas que confunde
os sábios e os fortes deste mundo, dá-se um caso interessante que torno
presente. Natanael era um estudioso da Lei, um sábio do tempo, não arrogante
nem fechado no que sabia, mas um homem sincero e humilde que buscava a verdade
e esperava o Messias do qual as Escrituras, que ele conhecia muito bem, falavam
que haveria de vir. Um dia, Filipe cruzou-se com Ele e dá-lhe a notícia de que
tinha visto o Messias, que era de Nazaré, que era filho de José. Natanael, como
bom judeu e aberto à novidade, mas também, conforme a cultura do tempo
preconceituoso em relação à pequenina terra de Nazaré, como que mete um travão
na confiança que Filipe manifestava nesse Messias. E interpela-o, sério: “De Nazaré
pode vir alguma coisa boa?”. Filipe, porém, não desiste do amigo Natanael,
convida-o e acompanha-o ao encontro de Jesus para ambos partilharem essa boa
notícia. ‘Anda daí, pá, e verás’, e lá foram!... Quando Jesus olhou Natanael,
elogiou a sua honestidade e autenticidade, dizendo: “Eis um verdadeiro
israelita, em quem não existe fingimento” (Jo 1, 45-51). Natanael, admirado por
Jesus o conhecer, o acolher e lhe prestar tanta atenção, fica sensibilizado
pelo apreço que Jesus lhe manifesta, pelo que lhe diz, e logo se sente
interiormente apanhado e desarmado pela pessoa de Jesus sobre o qual
imediatamente proclama: “Rabi, Tu és o Filho de Deus, Tu és o rei de Israel”
(Jo 1, 49). A partir dali, começou a fazer parte do grupo dos amigos de Jesus,
entrou na sua escola. Estava ateado o fogo do amor no coração de Natanael,
tornou-se um verdadeiro apóstolo da verdade e da justiça, tarefa das pessoas de
boa vontade. E se a fama de Jesus se espalhava cada vez mais por toda a parte
(Lc 5, 15), continuará a espalhar-se com a palavra e o testemunho de pessoas
que, tal como Filipe, sejam capazes de partilhar a alegria de ver e
experimentar a amizade de Jesus. Pessoas que saibam convidar os outros ao seu
encontro, anunciando, com ternura e beleza, a pessoa e a linguagem da cruz que
Jesus nos ensinou, bem como a jubilosa alegria e as dinâmicas que explodiram
sobre o mundo com a sua Ressurreição. Mesmo que tudo possa continuar a ser
loucura para uns e escândalo para outros, mesmo que tudo isso possa continuar a
confundir os sábios e os poderosos deste mundo, só Jesus Cristo redime, salva,
liberta, dá sentido à vida e às coisas da vida. Só Ele é o alicerce, a pedra
angular sobre a qual assenta a construção de um mundo cada vez mais justo e
intelectualmente habitável, com a colaboração de todas as pessoas de boa
vontade em todas as áreas do saber, do ter e do poder. “A loucura de Deus é
mais sábia do que os homens e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens”
(cf. 1Cor 1, 17-31).
Mesmo que as causas da
indiferença ou do voltar de costas ao autor dos cosmos e da vida possam ser
muitas e diversas, o Papa Francisco lembra-nos que o Diabo anda por aí,
finge-se “educado”, toca à campainha delicadamente, com diplomacia, pede
licença para entrar, entra, observa, faz-se amigo, seduz à infidelidade entre
esposos, destrói famílias, alicia aos vícios e à corrupção, torna as pessoas
voláteis, canas agitadas pelo vento, tudo apresenta como se tudo fosse digno,
bom e permitido. De forma empática e suave, cativa para logo empurrar com aplausos
e grande festa para “o espírito do mundo que nos arruína e corrompe a partir de
dentro».
Eleazar resistiu a tais
ciladas, foi perseguido e morto pela sua fidelidade a Deus. Cristo Jesus
ressuscitado, eternamente vivo e presente, continua a ser perseguido e morto.
Armam-lhe ciladas, pedem-lhe que se afaste, entregam-no aos inimigos,
condenam-no à morte, os barrabás e toda a pilataria têm preferência. Quando
Paulo respirava ameaças e morte contra os cristãos e se encaminhava para
Damasco para os prender e trazer para as prisões e morte, Jesus fez-se
encontrado, e perante a pergunta de Paulo sobre quem é que Ele era, Jesus
responde-lhe: “Eu sou Jesus a quem tu persegues” (At 9, 5). O “que fizerdes aos
outros é a mim que o fazeis” (cf. Mt 25, 45). Tal como Eleazar, os cristãos
perseguidos em tantos lugares do mundo continuam a testemunhar que são pessoas
de antes quebrar que torcer. Eles sabem em quem acreditam e confiam. O seu
comportamento é forte estímulo para nós, até nos envergonha por tão frios que podemos
ser na formação, na prática, na vivência e no anúncio da fé!
Antonino Dias
Portalegre-Castelo
Branco, 08-10-2021.
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DISCURSO DO SANTO PADRE FRANCISCO AOS FIÉIS DA
DIOCESE DE ROMA
Sala Paulo VI - Sábado, 18 de setembro de 2021
Caros irmãos e irmãs,
bom dia!
Como sabeis – não é
uma novidade! –, está prestes a começar um processo sinodal, um caminho em que
toda a Igreja está empenhada à volta do tema “Para uma Igreja sinodal: comunhão,
participação, missão”: três pilares. Estão previstas três fases, que terão
lugar entre outubro de 2021 e outubro de 2023. Este itinerário foi concebido
como um dinamismo de escuta recíproca – quero sublinhar isto:
um dinamismo de escuta recíproca –, conduzido a todos os níveis da
Igreja, envolvendo todo o povo de Deus. O Cardeal Vigário e os Bispos
Auxiliares devem escutar-se uns aos outros; os sacerdotes devem escutar-se uns
aos outros; os religiosos devem escutar-se uns aos outros; os leigos devem
escutar-se uns aos outros. E, depois, escutar-se todos uns aos outros.
Escutar-se uns aos outros; falar uns com os outros e ouvir-se uns aos outros.
Não se trata de recolher opiniões, não. Não é um inquérito! Trata-se de escutar
o Espírito Santo, como encontramos no livro do Apocalipse: “Quem
tem ouvidos oiça o que o Espírito diz às Igrejas” (2,7). Ter ouvidos,
ouvir, é o primeiro empenho. Trata-se de escutar a voz de Deus, perceber a sua
presença, intercetar a sua passagem e o seu sopro de vida. Aconteceu com o
profeta Elias: ele descobriu que Deus é sempre um Deus de surpresas, até no
modo como passa e se faz ouvir:
«Uma forte rajada
de vento fendia as montanhas e quebrava os rochedos, mas o Senhor não estava no
vento. Depois do vento, sentiu-se um terramoto, mas o Senhor não estava no
terramoto. Depois do terramoto, acendeu-se um fogo, mas o Senhor não estava no
fogo. Depois do fogo, ouviu-se uma ligeira brisa. Quando a ouviu, Elias cobriu
o rosto com o manto, saiu e ficou à entrada da gruta» (1Rs 19,
11-13).
É assim que Deus nos
fala. E é devido a esta “ligeira brisa” – que os exegetas também traduzem como
“uma fina voz de silêncio” e outros como “um fio de silêncio sonoro” – que
devemos pôr os nossos ouvidos alerta, para escutar esta brisa de Deus.
A primeira etapa do
processo (outubro 2021 – abril 2022) diz respeito a cada uma das Igrejas
diocesanas. E é por isso que estou aqui, como vosso bispo, a partilhar, porque
é muito importante que a Diocese de Roma se empenhe convictamente neste
caminho. Era uma má figura, se a diocese do Papa não se empenhasse nisto. Não
seria? Má figura do Papa e vossa também.
O tema da sinodalidade
não é um capítulo de um tratado de eclesiologia; muito menos, uma moda, um
slogan ou um novo termo para usar ou instrumentalizar nas nossas reuniões. Não!
A sinodalidade exprime a natureza da Igreja, a sua forma, o seu estilo, a sua
missão. E, portanto, falamos da Igreja sinodal, mas evitando pensar
que se trata de um título entre outros, uma forma de a conceber, mas que prevê
alternativas. Não digo isto com base numa opinião teológica, nem sequer como um
pensamento pessoal, mas estou a seguir o livro que podemos considerar como o
primeiro e mais importante “manual” de eclesiologia, que é o livro dos Atos
dos Apóstolos.
A palavra “sínodo”
contém tudo o que é útil para compreender: “caminhar juntos”. O livro de Atos é
a história de um caminho que parte de Jerusalém e, através da Samaria e da
Judeia, continua nas regiões da Síria e da Ásia Menor e depois na Grécia e
termina em Roma. Este percurso conta a história em que a Palavra de Deus e as
pessoas que dirigem a sua atenção e a sua fé para essa Palavra caminham juntas.
A Palavra de Deus caminha connosco. Todos são protagonistas, ninguém pode ser
considerado um simples figurante. É preciso compreender bem isto: todos são
protagonistas. O protagonista já não é o Papa, o Cardeal Vigário, os Bispos
Auxiliares; não: somos todos protagonistas, e ninguém pode ser considerado um
simples figurante. Nessa altura, os ministérios ainda eram considerados
serviços autênticos. E a autoridade nascia da escuta da voz de Deus e do povo –
nunca os separarem – o que mantinha “em baixo” aqueles que a recebiam. O
“baixo” da vida, ao qual era preciso prestar o serviço da caridade e da fé. Mas
não é só por causa dos lugares geográficos que atravessa que essa história está
em movimento. Ela exprime uma contínua inquietude interior – é
uma palavra-chave, a inquietude interior. Se um cristão não sente
esta inquietude interior, se não a vive, falta-lhe alguma coisa; e
esta inquietude interior nasce da fé de cada um e convida-nos
a ponderar o que o que é melhor fazer, o que se deve manter ou mudar. Esta
história ensina-nos que ficar parados não pode ser uma boa condição para a
Igreja (cf. Evangelii gaudium, 23). E o movimento é uma
consequência da docilidade ao Espírito Santo, que é o realizador desta história
em que todos são protagonistas inquietos, nunca parados.
Pedro e Paulo não são
apenas duas pessoas, cada um com o seu caráter; são visões inseridas em horizontes
maiores do que eles, capazes de se repensarem em relação com o que vai
acontecendo, testemunhas de um impulso que os coloca em crise – mais uma
expressão para recordar sempre: colocar em crise –, que os leva a ter ousadia,
a questionar, a reconsiderar, a cometer erros e a aprender com eles e,
sobretudo, a ter esperança apesar das dificuldades. São discípulos do Espírito
Santo, que os faz descobrir a geografia da salvação divina, abrindo portas e
janelas, derrubando paredes, quebrando correntes, libertando fronteiras. Então
pode ser necessário partir, mudar de direção, ultrapassar as convicções que nos
retêm e nos impedem de nos deslocarmos e de caminharmos juntos.
Podemos ver o Espírito
a levar Pedro à casa de Cornélio, o centurião pagão, apesar das suas
hesitações. Lembrem-se: Pedro teve uma visão que o perturbava, em que lhe era
pedido que comesse coisas consideradas impuras e ele, apesar da certeza de que
o que Deus purifica deixa de ser considerado impuro, ficou perplexo. Estava a
tentar compreender e chegaram os homens enviados por Cornélio. Também ele tinha
recebido uma visão e uma mensagem. Era um oficial romano, piedoso, que
simpatizava com o judaísmo, mas não ainda suficientemente para ser totalmente
judeu ou cristão: nenhuma “alfândega” religiosa o teria deixado passar. Ele era
pagão e, no entanto, fora-lhe revelado que as suas orações tinham chegado a
Deus e que deveria enviar alguém para dizer a Pedro para vir a sua casa. Neste
suspense, por um lado, Pedro com as suas dúvidas e, por outro, Cornélio à
espera naquela zona sombria, é o Espírito que dissolve a resistência de Pedro e
abre uma nova página da missão. É assim que o Espírito se move. O encontro
entre os dois sela uma das mais belas frases do cristianismo. Cornélio tinha
ido ao seu encontro, tinha-se atirado aos seus pés, mas Pedro levantou-o e
disse: “Levanta-te, eu também sou um homem” (At 10,26).
Todos dizemos isto: “Eu sou homem; eu sou mulher; somos humanos”. Todos
deveríamos dizer isto, mesmo os Bispos, todos nós: “Levanta-te: eu também
sou um homem”. E o texto sublinha que conversou com ele de maneira familiar
(cf. v. 27). O cristianismo deve ser sempre humano, humanizante, conciliando
diferenças e distâncias e transformando-as em familiaridade, em proximidade. Um
dos males da Igreja, ou melhor, uma perversão, é este clericalismo que separa o
padre, o bispo do povo. O bispo e o padre separado do povo é um oficial, não é
um pastor. São Paulo VI gostava muito de citar a máxima de Terêncio: “Sou um
Homem, nada do que é humano me é estranho”. O encontro entre Pedro e
Cornélio resolveu um problema, favoreceu a decisão de eles se sentirem livres
para pregarem diretamente aos pagãos, com a convicção – são palavras de Pedro –
de “que Deus não faz aceção de pessoas” (At 10:34). Em nome
de Deus, não se pode discriminar. E a discriminação é um pecado mesmo entre
nós: “nós somos os puros, nós somos os eleitos, nós somos deste movimento
que sabe tudo, nós somos...”. Não! Nós somos Igreja, todos juntos.
Vede, não podemos
compreender a “catolicidade” sem nos referirmos a este campo amplo e
hospitaleiro, que nunca delimita as fronteiras. Ser Igreja é um caminho para
entrar nesta amplitude de Deus. Depois, voltando aos Atos dos Apóstolos,
há os problemas que surgem na organização do crescente número de cristãos, e
especialmente para prover às necessidades dos pobres. Alguns apontam para o
facto de não se estar a cuidar das viúvas. O modo com que há de encontrar uma
solução é reunir a assembleia dos discípulos e tomar juntos a decisão de
designar aqueles sete homens que ficariam empenhados a tempo inteiro com
a diaconia, com o serviço das mesas (At 6,1-7). E
assim, com o discernimento, com as necessidades, com a realidade da vida e a
força do Espírito, a Igreja avança, caminha em conjunto, é sinodal. Mas está
sempre presente o Espírito como grande protagonista da Igreja.
Além disso, há também
o confronto entre diferentes visões e expectativas. Não devemos ter medo de que
isto aconteça ainda hoje. Quem dera que se pudesse discutir assim! São sinais
de docilidade e de abertura ao Espírito. Também se pode levantar confrontos que
atingem amplitudes dramáticas, como aconteceu com o problema da circuncisão dos
pagãos, até à deliberação daquele que chamamos o Concílio de Jerusalém, o
primeiro Concílio. Como acontece ainda hoje, há um modo rígido de olhar para as
circunstâncias, que mortifica a makrothymía de Deus, ou seja,
aquela paciência do olhar que se alimenta de visões profundas, visões amplas,
visões de horizontes alargados: Deus vê longe, Deus não tem pressa. A rigidez é
outra perversão que é um pecado contra a paciência de Deus, é um pecado contra
esta soberania de Deus. Isto acontece também hoje.
Tinha acontecido
naquele tempo: alguns, convertidos do judaísmo, consideravam, na sua
autorreferencialidade, que não podia haver salvação sem se submeterem à Lei de
Moisés. Deste modo, contestava-se Paulo, que proclamava a salvação diretamente
em nome de Jesus. Opor-se à sua ação teria comprometido o acolhimento dos
pagãos que, entretanto, se iam convertendo. Paulo e Barnabé foram enviados a
Jerusalém pelos Apóstolos e pelos anciãos. Não foi fácil: diante deste
problema, as posições pareciam inconciliáveis, discutiu-se longamente. Era uma
questão de reconhecer a liberdade da ação de Deus, e que não havia obstáculos
que O pudessem impedir de chegar ao coração das pessoas, independentemente da
sua condição de proveniência, moral ou religiosa. O que desbloqueou a situação
foi a adesão à evidência de que “Deus, que conhece corações”, o cardignosta, conhece
os corações, Ele próprio apoiava a causa a favor da possibilidade de os gentios
serem admitidos à salvação, “ao conceder-lhes o Espírito Santo como a nós”
(At 15,8), concedendo assim o Espírito Santo também aos pagãos,
como a nós. Deste modo, prevaleceu o respeito por todas as sensibilidades,
moderando os excessos; a experiência de Pedro com Cornélio foi preciosa: assim,
no documento final, encontramos o testemunho do protagonismo do Espírito neste
caminho de decisões e da sabedoria que é sempre capaz de inspirar: “Pareceu-nos
bem, ao Espírito Santo e a nós, não vos impor qualquer outra obrigação”,
além do indispensável (At 15:28). “Nós”: Neste Sínodo, vamos pelo
caminho de poder dizer “pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e a nós",
porque estareis em diálogo contínuo uns com os outros sob a ação do Espírito
Santo. Não se esqueçam desta fórmula: “Pareceu-nos bem, ao Espírito Santo e
a nós, não vos impor qualquer outra obrigação”: pareceu-nos bem, ao
Espírito Santo e a nós. É assim que deveis tentar expressar-vos
neste percurso sinodal, neste caminho sinodal. Se o Espírito não estiver
presente, será um parlamento diocesano, mas não um Sínodo. Não estamos a fazer
um parlamento diocesano; não estamos a fazer um estudo sobre isto ou aquilo.
Não! Estamos a fazer um caminho de nos escutarmos uns aos outros e de
escutarmos o Espírito Santo, de discutir e também de discutir com o Espírito
Santo, que é uma maneira de rezar.
“O Espírito Santo e
nós”. Além disso, há sempre a tentação de fazer tudo sozinhos, dando expressão
a uma eclesiologia substitutiva – há tantas eclesiologias
substitutivas – como se, depois de ter subido ao Céu, o Senhor tivesse deixado
um vazio por preencher, e nós é que o preenchemos. Não! O Senhor deixou-nos o
Espírito! Mas as palavras de Jesus são claras: “Eu pedirei ao Pai, que vos
dará outro Paráclito, para estar sempre convosco. [...] Não vos deixarei órfãos”
(Jo 14,16.18). Para o cumprimento desta promessa, a Igreja é um
sacramento, como se afirma na Lumen Gentium, n. 1: “A Igreja, em
Cristo, é como que o sacramento, ou seja, o sinal e o instrumento da íntima
união com Deus e da unidade de todo o género humano”. Nesta frase, que
recolhe o testemunho do Concílio de Jerusalém, está o desmentido de quem
insiste em tomar o lugar de Deus, com a pretensão de modelar a Igreja com base
nas suas convicções culturais e históricas, forçando-a a ter fronteiras
armadas, alfândegas culpabilizantes, a espiritualidades que blasfemam contra a
gratuidade da ação envolvente de Deus. Quando a Igreja, pelas suas palavras e
ações, é testemunha do amor incondicional de Deus, da sua amplitude
hospitaleira, ela exprime verdadeiramente a sua própria catolicidade. E é impelida,
interiormente e exteriormente, a atravessar os espaços e os tempos. O impulso e
a capacidade vêm do Espírito: “Recebereis a força do Espírito Santo, que
descerá sobre vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judeia
e na Samaria e até aos confins da terra” (At 1,8). Receber o
poder do Espírito Santo para sermos testemunhas: este é o caminho da Igreja e
nós seremos Igreja se formos por este caminho.
Igreja sinodal
significa Igreja sacramento desta promessa – ou seja, que o Espírito estará
connosco – que se manifesta cultivando a intimidade com o Espírito e com o
mundo que há de vir. Haverá sempre discussões, graças a Deus, mas as soluções
devem ser procuradas dando a palavra a Deus e às suas vozes no meio de nós;
rezando e abrindo os olhos para tudo o que nos rodeia; praticando uma vida fiel
ao Evangelho; questionando a Revelação de acordo com uma hermenêutica
peregrina que sabe preservar o caminho iniciado
nos Atos dos Apóstolos. E isto é importante: o modo de compreender,
de interpretar. Uma hermenêutica peregrina, ou seja, que está a
caminho. O caminho que começou depois do Concílio? Não! Começou com os
primeiros Apóstolos, e continua. Quando a Igreja para, deixa de ser Igreja para
ser uma bela associação piedosa, porque engaiola o Espírito Santo. Uma hermenêutica
peregrina que sabe preservar o caminho iniciado nos Atos dos
Apóstolos. Caso contrário, estaríamos a humilhar o Espírito Santo. Gustav
Mahler – já o disse noutras ocasiões – defendia que a fidelidade à tradição não
consiste em adorar as cinzas, mas em conservar o fogo. Pergunto-vos: Antes de
iniciar este caminho sinodal, estais mais inclinados a quê? A conservar as
cinzas da Igreja, ou seja, da vossa associação, do vosso grupo? Ou a conservar
o fogo? Estais mais inclinados para adorar as vossas coisas, que vos fecham –
eu sou de Pedro, eu sou de Paulo; eu dou desta associação, vós sois
daqueloutra; eu sou padre, eu sou bispo – ou sentis-vos chamados a conservar
o fogo do Espírito? Gustav Mahler foi um grande compositor,
mas é também um mestre da sabedoria com esta reflexão. A Dei Verbum (n.
8), citando a Carta aos Hebreus, afirma: “Deus, que outrora
falou (cf. Heb 1,1), dialoga sem interrupção
com a esposa do seu amado Filho”. Há uma fórmula de São Vicente de Lérins
que é muito feliz. Comparando o ser humano em crescimento e a Tradição
transmitida de uma geração à outra, ele afirma que não se pode conservar o
“depósito da fé” sem o fazer progredir: “consolidando-se com os anos,
desenvolvendo-se com o tempo, aprofundando-se com a idade” (Commonitorium
primum, 23,9: “ut annis consolidetur, dilatetur tempore, sublimetur
aetate”). Este é o estilo do nosso caminho: as realidades, se não caminham,
são como as águas. As realidades teológicas são como a água: se a água não
corre e ficar estagnada, é a primeira a entrar em putrefação. Uma Igreja
estagnada começa a apodrecer.
Vede como a nossa
Tradição é uma massa fermentada, uma realidade em fermento na qual podemos
reconhecer o crescimento, e na farinha amassada uma comunhão que se realiza em
movimento: caminhar em conjunto realiza a verdadeira comunhão. É mais uma vez o
livro dos Atos dos Apóstolos a ajudar-nos, mostrando-nos que a
comunhão não suprime as diferenças. É a surpresa do Pentecostes, quando línguas
diferentes não são obstáculos: embora fossem estranhos uns aos outros, graças à
ação do Espírito, “ouve cada um de nós falar na sua própria língua materna”
(At 2,8). Sentir-se em casa; diferentes, mas solidários no caminho.
Desculpai-me por ser tão longo, mas o Sínodo é um assunto sério e é por isso
que tomei a liberdade de falar...
Voltando ao processo
sinodal, a fase diocesana é muito importante, porque realiza a auscultação da
totalidade dos batizados, o sujeito do sensus fidei infalível in
credendo. Há muitas resistências para superar a imagem de uma Igreja
rigidamente dividida entre chefes e subordinados, entre os que ensinam e os que
têm de aprender, esquecendo que Deus gosta de inverter as posições: “Derrubou
os poderosos dos seus tronos, exaltou os humildes” (Lc 1,52),
disse Maria. Caminhar juntos descobre que a sua linha é mais a horizontalidade
que a verticalidade. A Igreja sinodal restaura o horizonte a partir do qual
nasce o sol Cristo: erguer monumentos hierárquicos significa cobri-lo. Os
pastores caminham com o povo: nós, pastores, caminhamos com o povo, umas vezes
à frente, outras no meio e outras atrás. O bom pastor deve caminhar assim: à
frente para guiar, no meio para encorajar e não esquecer o cheiro do rebanho,
atrás porque o povo também tem “faro”. Tem faro para encontrar novos caminhos
ou para reencontrar o caminho que tinha perdido. Quero sublinhar isto, também
aos bispos e padres da diocese. No seu caminho sinodal, eles que se perguntem:
“Eu sou capaz de caminhar, de me mover, à frente, no meio e atrás? Ou só estou
na cátedra, com mitra e báculo?”. Pastores misturados, mas pastores, não
rebanho: o rebanho sabe que somos pastores, o rebanho sabe a diferença. Na
frente para mostrar o caminho, no meio para ouvir o que o povo está a sentir e
atrás para ajudar aqueles que ficam um pouco para trás e para deixar que o povo
veja um pouco com o seu faro onde estão as melhores ervas.
O sensus fidei garante
que todos estão qualificados com a dignidade da função
profética de Jesus Cristo (cf. Lumen Gentium, 34-35), de modo a
poderem discernir quais são os caminhos do Evangelho no presente. É o “faro”
das ovelhas. Mas estejamos atentos que, na história da salvação, todos somos
ovelhas em relação ao Pastor que é o Senhor. A imagem ajuda-nos a compreender
as duas dimensões que contribuem para este “faro”. Uma pessoal e outra
comunitária: somos ovelhas e fazemos parte do rebanho que, neste caso,
representa a Igreja. Estamos a ler no Breviário, no Ofício de Leitura, o “De
pastoribus” de [Santo] Agostinho; e ele diz-nos aí: “Convosco sou
uma ovelha, para vós sou um pastor”. Estes dois
aspetos, pessoal e eclesial, são inseparáveis: não pode haver sensus
fidei sem participação na vida da Igreja, que não é somente o ativismo
católico, deve haver sobretudo aquele “sentimento” que é alimentado pelos “sentimentos
de Cristo” (Fl 2,5).
O exercício do sensus
fidei não pode ficar reduzido à comunicação e ao confronto de opiniões
que possamos ter sobre este ou aquele tema, sobre um aspeto particular da
doutrina ou sobre uma regra de disciplina. Não! Isso são instrumentos,
verbalizações, expressões dogmáticas ou disciplinares. Mas não deve prevalecer
a ideia de distinguir maiorias e minorias: isso é o que faz um parlamento.
Quantas vezes os “descartados” se tornaram “pedras angulares” (cf. Sl 118,22; Mt 21,42),
os “que estavam longe” passaram a “estar perto” (Ef 2,13). Os
marginalizados, os pobres, os que não têm esperança foram eleitos como
sacramento de Cristo (cf. Mt 25,31-46). A Igreja é assim. E
quando alguns grupos se quiseram destacar demasiado, esses grupos acabaram
sempre mal, até mesmo na negação da Salvação, em heresias. Pensemos naquelas
heresias que tinham a pretensão de governar a Igreja, como o pelagianismo e,
depois, o jansenismo. Todas as heresias acabaram mal. O gnosticismo e o
pelagianismo são tentações constantes da Igreja. Estamos tão preocupados, e com
razão, que tudo deve honrar as celebrações litúrgicas, e isso é bom – ainda
que, muitas vezes, acabemos por nos confortar apenas a nós próprios – mas São
João Crisóstomo adverte-nos: “Queres honrar o corpo de Cristo? Não permitas
que seja objeto de desprezo nos seus membros, isto é, nos pobres, que não têm
roupa para se cobrir. Não o honres aqui na igreja com tecidos de seda, se,
depois, fora não cuidas dele, quando sofre de frio e nudez. Aquele que disse:
‘Isto é o meu corpo’, confirmando este facto por palavras, disse também:
‘Vistes-me com fome e não me destes de comer’, e ‘Todas as vezes que não
fizestes isto a um destes pequeninos, não o fizestes a mim’”. (Homilias
sobre o Evangelho de Mateus, 50,3). “Mas, padre, o que estás a dizer? Os
pobres, os mendigos, os jovens toxicodependentes, todos estes que a sociedade
descarta, fazem parte do Sínodo?”. Sim, meu caro, sim, minha cara: não sou eu
que o digo, é o Senhor que o diz: eles fazem parte da Igreja. A ponto de, se
não os chamares – veremos como – ou se não fores ter com eles para passar algum
tempo com eles, para ouvir não o que eles dizem, mas o que
ouvem, até os insultos que te dirigem, não estás a fazer bem o Sínodo. O Sínodo
vai até aos limites, engloba todos. O Sínodo é também dar espaço ao diálogo
sobre as nossas misérias, as misérias que eu, como vosso bispo, tenho, as
misérias que têm os bispos auxiliares, as misérias que têm os sacerdotes e os
leigos e os que pertencem às associações; tomar toda esta miséria! Mas se não
incluirmos os miseráveis – entre aspas – da sociedade, os descartados, nunca
seremos capazes de nos encarregar das nossas misérias. E isto é importante: que
no diálogo possam emergir as nossas próprias misérias, sem justificações. Não
tenhais medo!
É preciso sentir que
fazemos parte de um grande povo destinatário das promessas divinas, abertas a
um futuro que espera que cada um possa participar no banquete preparado por
Deus para todos os povos (cf. Is 25,6). E aqui gostaria de
salientar que mesmo sobre o conceito de “Povo de Deus” pode haver hermenêuticas
rígidas e antagónicas, ficando presos à ideia de uma exclusividade, de um
privilégio, como aconteceu com a interpretação do conceito de “eleição” que os
profetas corrigiram, indicando como devia ser corretamente entendido. Não se
trata de um privilégio – ser Povo de Deus – mas de um dom que alguém recebe…
Para si próprio? Não! Para todos. O dom é para dar: esta é a vocação. É um dom
que alguém recebe para todos, que nós recebemos para os outros, é um dom que
também é uma responsabilidade. A responsabilidade de testemunhar com ações e
não apenas com palavras as maravilhas de Deus, que, se forem conhecidas, ajudam
as pessoas a descobrir a sua existência e a acolher a sua salvação. A eleição é
um dom. E a questão é: o meu ser cristão, a minha confissão cristã, como é que
o ofereço, como é que o dou? A vontade salvífica universal de Deus oferece-se à
história, a toda a humanidade através da encarnação do seu Filho, para que
todos, através da mediação da Igreja, possam tornar-se seus filhos e irmãos e
irmãs entre si. É deste modo que se realiza a reconciliação universal entre
Deus e a humanidade, aquela unidade de todo o género humano, da qual a Igreja é
sinal e instrumento (cf. Lumen Gentium, 1). Já antes do Concílio
Vaticano II tinha amadurecido a reflexão, elaborada com base num estudo
cuidadoso dos Padres, que o Povo de Deus está inclinado para a realização do
Reino, para a unidade do género humano criado e amado por Deus. E a Igreja tal
como a conhecemos e experimentamos, na sucessão apostólica, esta Igreja deve
sentir que está em relação com esta eleição universal e, por isso
mesmo, deve cumprir a sua missão. Foi com este espírito que escrevi a Fratelli
tutti. A Igreja, como dizia São Paulo VI, é mestra de humanidade, que hoje
tem o objetivo de tornar-se uma escola de fraternidade.
Porque é que vos digo
estas coisas? Porque no caminho sinodal, a escuta deve ter em conta o sensus
fidei, mas não deve ignorar todos aqueles “pressentimentos” encarnados onde
não os esperaríamos: pode haver um “faro sem cidadania”, mas não é menos
eficaz. O Espírito Santo, na sua liberdade, não conhece confins, nem sequer se
deixa limitar pelas pertenças. Se a paróquia é a casa de todos no bairro, não
um clube exclusivo, atenção: deixai as portas e janelas abertas, não vos
limiteis a considerar apenas aqueles que frequentam ou pensam como vós – que
serão 3, 4 ou 5%, não mais. Deixai entrar toda a gente… Deixai-vos ir ao
encontro e deixai que vos interroguem, que as suas perguntas sejam as vossas
perguntas, deixai caminhar juntos: o Espírito conduzir-vos-á, confiai no
Espírito. Não tenhais medo de entrar em diálogo e deixai-vos inquietar pelo
diálogo: é o diálogo da salvação.
Não fiqueis
desencantados, preparai-vos para as surpresas. Há um episódio no
livro de Números (cap. 22) que fala de uma burra que se
tornará profetisa de Deus. Os hebreus estão a concluir a longa viagem que os
levará à terra prometida. A sua passagem assusta o rei Balac de Moab, que
confia nos poderes do mago Balaão para parar o povo, na esperança de evitar uma
guerra. O mago, um crente à sua maneira, pergunta a Deus o que fazer. Deus
diz-lhe para não alinhar com o rei, que, no entanto, insiste, e por isso ele
cede, monta em cima de uma burra para cumprir a ordem que recebeu. Mas a burra
muda de direção porque vê um anjo com uma espada desembainhada ali parado para
representar a oposição de Deus. Balaão puxa-a, bate-lhe, sem conseguir fazer
que volte ao caminho. Até que a burra começa a falar, iniciando um diálogo que
abrirá os olhos do mago, transformando a sua missão de maldição e morte numa
missão de bênção e vida.
Esta história
ensina-nos a ter confiança que o Espírito fará sempre ouvir a sua voz. Mesmo
uma burra pode tornar-se a voz de Deus, abrir-nos os olhos e converter as
nossas direções erradas. Se uma burra é capaz de o fazer, quanto mais um
batizado, uma batizada, um padre, um bispo, um papa. Basta que nos confiemos ao
Espírito Santo que usa todas as criaturas para nos falar: só nos pede que
limpemos os ouvidos para ouvirmos bem.
Vim aqui para vos
encorajar a levar a sério este processo sinodal e para vos dizer que o Espírito
Santo precisa de vós. E isto é verdade: o Espírito Santo precisa de nós. Ouvi-o
escutando-vos uns aos outros. Não deixeis ninguém de fora ou para trás. Será bom
para a Diocese de Roma e para toda a Igreja, que não se reforça apenas
reformando das estruturas – isto é um grande engano! –, dando instruções,
propondo retiros e conferências ou à força de diretivas e programas – isto é
bom, mas como parte de algo mais – mas se redescobrir que é um povo que quer
caminhar em conjunto, entre nós e com a humanidade. Um povo, o de Roma, que
contém a variedade de todos os povos e de todas as condições: que riqueza
extraordinária, na sua complexidade! Mas é preciso sair dos 3-4% que
representam os mais próximos e ir mais longe para escutar os outros, que por
vezes vos hão de insultar, vos hão de expulsar, mas é necessário ouvir o que
eles pensam, sem querer impor as nossas coisas: deixar que o Espírito nos fale.
Neste tempo de pandemia,
o Senhor impele a missão de uma Igreja para que seja sacramento do cuidado. O
mundo elevou o seu grito, manifestou a sua vulnerabilidade: o mundo precisa de
cuidado.
Coragem! Em frente!
Obrigado!
Francisco
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