PARÓQUIAS DE NISA
Terça-feira, 30 de março de 2021
Semana Santa
LITURGIA
Terça-feira
da Semana Santa
Roxo – Ofício próprio.
Missa própria, pf. II da Paixão.
L 1 Is 49, 1-6; Sal 70 (71), 1-2. 3-4a. 5-6ab. 15 e 17
Ev Jo 13, 21-33. 36-38
* Proibidas as Missas de defuntos, exceto a exequial.
* No Patriarcado de Lisboa – Aniversário da Ordenação episcopal de D. Joaquim
Augusto da Silva Mendes, Bispo Auxiliar (2008).
MISSA
ANTÍFONA
DE ENTRADA Salmo 26, 12
Não me entregueis, Senhor, ao ódio dos meus adversários: contra mim se
levantaram testemunhas falsas, que respiram violência.
ORAÇÃO COLECTA
Deus eterno e omnipotente, concedei-nos a graça de celebrar dignamente os
mistérios da paixão do Senhor, para merecermos alcançar o seu perdão. Ele que é
Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I Is 49, 1-6
«Farei de ti a luz das nações,
para que a minha salvação chegue até aos confins da terra»
(Segundo cântico do Servo do Senhor)
Leitura do Livro
de Isaías
Terras de Além-Mar, escutai-me; povos de longe, prestai atenção. O Senhor
chamou-me desde o ventre materno, disse o meu nome desde o seio de minha mãe.
Fez da minha boca uma espada afiada, abrigou-me à sombra da sua mão. Tornou-me
semelhante a uma seta aguda, guardou-me na sua aljava. E disse-me: «Tu és o meu
servo, Israel, por quem manifestarei a minha glória». E eu dizia: «Cansei-me
inutilmente, em vão e por nada gastei as minhas forças». Mas o meu direito está
no Senhor e a minha recompensa está no meu Deus. E agora o Senhor falou-me, Ele
que me formou desde o seio materno, para fazer de mim o seu servo, a fim de Lhe
restaurar as tribos de Jacob e reconduzir os sobreviventes de Israel. Eu tenho
merecimento diante do Senhor e Deus é a minha força. Ele disse-me então: «Não
basta que sejas meu servo, para restaurares as tribos de Jacob e reconduzires
os sobreviventes de Israel. Farei de ti a luz das nações, para que a minha salvação
chegue até aos confins da terra».
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Sal. 70 (71), 1-2.3-4a.5-6ab.15ab.17 (R. cf.
15ab)
Refrão: A minha boca proclamará a vossa salvação. Repete-se
Em Vós, Senhor, me refugio,
jamais serei confundido.
Pela vossa justiça, defendei-me e salvai-me,
prestai ouvidos e libertai-me. Refrão
Sede para mim um refúgio seguro,
a fortaleza da minha salvação.
Vós sois a minha defesa e o meu refúgio:
meu Deus, salvai-me do pecador. Refrão
Sois Vós, Senhor, a minha esperança,
a minha confiança desde a juventude.
Desde o nascimento Vós me sustentais,
desde o seio materno sois o meu protetor. Refrão
A minha boca proclamará a vossa justiça,
dia após dia a vossa infinita salvação.
Desde a juventude Vós me ensinais
e até hoje anunciei sempre os vossos prodígios.
Refrão
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo, Sabedoria do Pai. Repete-se
Salve, Senhor, nosso Rei, obediente ao Pai,
que fostes levado como manso cordeiro
à morte na cruz. Refrão
EVANGELHO Jo 13, 21-33.36-38
«Um de vós há-de entregar-me...
Não cantará o galo, sem que Me tenhas negado três vezes»
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo, estando Jesus à mesa com os discípulos, sentiu-Se intimamente
perturbado e declarou: «Em verdade, em verdade vos digo: Um de vós Me
entregará». Os discípulos olhavam uns para os outros, sem saberem de quem
falava. Um dos discípulos, o predilecto de Jesus, estava à mesa, mesmo a seu
lado. Simão Pedro fez-lhe sinal e disse: «Pergunta-Lhe a quem Se refere». Ele
inclinou-Se sobre o peito de Jesus e perguntou Lhe: «Quem é, Senhor?» Jesus
respondeu: «É aquele a quem vou dar este bocado de pão molhado». E, molhando o
pão, deu-o a Judas Iscariotes, filho de Simão. Naquele momento, depois de
engolir o pão, Satanás entrou nele. Disse- lhe Jesus: «O que tens a fazer,
fá-lo depressa». Mas nenhum dos que estavam à mesa compreendeu porque lhe disse
tal coisa. Como Judas era quem tinha a bolsa comum, alguns pensavam que Jesus
lhe tinha dito: «Vai comprar o que precisamos para a festa»; ou então, que
desse alguma esmola aos pobres. Judas recebeu o bocado de pão e saiu
imediatamente. Era noite. Depois de ele sair, Jesus disse: «Agora foi
glorificado o Filho do homem e Deus foi glorificado n’Ele. Se Deus foi
glorificado n’Ele, também Deus O glorificará em Si mesmo e glorificá l’O-á sem
demora. Meus filhos, é por pouco tempo que ainda estou convosco. Haveis de
procurar-Me e, assim como disse aos judeus, também agora vos digo: não podeis
ir para onde Eu vou». Perguntou-Lhe Simão Pedro: «Para onde vais, Senhor?».
Jesus respondeu: «Para onde Eu vou, não podes tu seguir-Me por agora;
seguir-Me-ás depois». Disse-Lhe Pedro: «Senhor, por que motivo não posso
seguir-Te agora? Eu darei a vida por Ti». Disse-Lhe Jesus: «Darás a vida por
Mim? Em verdade, em verdade te digo: Não cantará o galo, sem que Me tenhas
negado três vezes».
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Olhai com bondade, Senhor, para a oblação dos vossos filhos: Vós que os fazeis
participar neste mistério de salvação, fazei que alcancem a plenitude da vida
eterna. Por Nosso Senhor.
Prefácio da Paixão do Senhor II
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Rom 8, 32
Para nos salvar, Deus não poupou o seu próprio Filho.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor, que nos saciais com os vossos dons sagrados, concedei-nos, por este
sacramento com que nos alimentais na vida presente, a comunhão convosco na vida
eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na
unidade do Espírito Santo.
MÉTODO DE ORAÇÃO BÍBLICA:
1. Leitura: - Lê, respeita, situa o
que lês.
- Detém-te no conteúdo de fé e da passagem que leste
2.
Meditação: - Interioriza, dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa que a passagem da Palavra de Deus que leste “leia a tua
vida” 2020.11.28
3. Oração: - Louva o Senhor,
suplica, escuta.
- Dirige-te a Deus que te falou através da Sua Palavra.
LEITURAS: Is
49, 1-6: Esta leitura é o ‘Segundo cântico do Servo do
Senhor’. Para realizar os seus desígnios de salvação em relação aos homens,
Deus chama o seu Servo. E, embora possa vir a parecer que a vida do Servo foi
inútil, Deus fez dele a luz para todos os povos da terra. O cântico é posto na
boca do próprio Servo, que é Jesus. É Ele quem fala. Embora servo sofredor, Ele
é enviado para levar a salvação a toda a terra.
Jo 13, 21-33.36-38: Vão-se
acumulando os antecedentes imediatos da Paixão. Jesus anuncia a traição de
Judas e a negação de Pedro. Depois da rejeição dos meios oficiais, vem agora a
traição e a negação dos seus. Estamos já na última Ceia. S. João vai
interpretando os acontecimentos de maneira simbólica: atrás do pão, Satanás
entra em Judas; já era noite; a morte de Jesus é a sua glorificação; Pedro
segui-l’O-à depois; Jesus está cada vez mais abandonado dos homens, ao mesmo
tempo que é o seu Salvador.
AGENDA DO DIA
.18.00 horas: Missa em
Nisa
.18.00 horas: Missa em
Alpalhão.
A VOZ DO PASTOR:
E
CADA UM VOLTOU PARA SUA CASA!...
Há frases a que nunca damos qualquer importância,
mesmo que as leiamos vezes sem conta. Mas lá chega um momento em que nos fazem acordar
como se de um relógio despertador se tratasse. Levantam-nos da soneira e levam
o pensamento para voos sem fim. Isso acontece, sobretudo, quando lemos a
Sagrada Escritura. Mesmo que conheçamos certos livros e passagens, há sempre
novas perspetivas a descobrir, novas lições a tirar, passagens que, apesar de
tantas vezes lidas e escutadas, nunca nos disseram nada. Mas chega um momento
em que nos fazem abrir as janelas ao ar fresco da vida, trazem luz,
sacodem-nos, levam-nos a outras paragens. É a riqueza da Palavra de Deus, de
Deus que sempre nos surpreende e toca no ombro. Há dias, o Evangelho da
Eucaristia terminava dizendo que “e cada um voltou para sua casa”.
Oh! Que frase tão comezinha e nada importante, é
verdade! Mas o silêncio feito depois de a escutar, fê-la ecoar no sótão
pensante e pôs-me a divagar. Neste voltar a casa, a casa pode ser entendida
como a pátria, a terra natal, à qual nem sempre há gosto em voltar, sobretudo,
se, por falta de condições, até se foi obrigado a sair de lá, ou, como neste
momento, muitos não poderão regressar por causa da pandemia. Mas deixemos essa
dimensão e fixemo-nos na outra casa, na casa de família. Pode-se voltar para
casa vindo de muitos lugares: do trabalho, do cinema, do baile, da tasca, da
noite, do café, do casino, da criminalidade, da casa do vizinho, da festa, do
estrangeiro... Atendendo às circunstâncias de cada um, esse voltar a casa, pode
não trazer consigo o sentimento de alegria, do desejo do encontro. Pode trazer
tristeza e até rancor. Tristeza, por tantas e tantas razões. Talvez por saber
que tem gente doente em casa, a sofrer, e não sabe o que lhe há de fazer,
porque não tem pão na mesa para dar aos filhos e acaba de ser despedido do
emprego, porque o amor e a paz deixaram de existir lá dentro daquelas paredes,
porque...porque... Mas quem volta a casa pode também vir carregado de más
intenções, de revolta, de desejo de violência, de ajuste de contas, de
desprezo, vingança.... É verdade que tudo isso, aqui ou ali, pode acontecer.
Esse voltar a casa, porém, também pode suscitar diferentes estados de alma a
quem está em casa. Pode suscitar sentimentos de alegria e de boas-vindas
naqueles que valorizam a família, que a cultivam nos valores e na verdade, que
a promovem cada vez mais como comunidade de vida e de amor, como lugar saudável
de refúgio e acolhimento, de alegria e de paz, de solidariedade e
corresponsabilidade. Mas também pode acontecer que, quem está em casa, esteja
sempre com o coração nas mãos. Pressente que quem está a chegar vem alcoolizado
como de costume, esmurrado porque sempre em zaragatas, violento a exigir a
mísera reforma de seus pais para a sua vida airada, useiro e vezeiro em
violência, truculento com jeitos de quem pode e manda e a pensar que quanto
mais alto fala mais razão tem...pobres filhos, pobres pais, pobre comunidade
familiar!
E cada um voltou para sua casa!... A frase em
questão aparece no contexto da discussão sobre quem era afinal aquele homem
chamado Jesus, o Senhor da vida e da alegria de viver. Os próprios guardas do
Templo, que foram mandatados para o prender, encostaram-se aos outros a ouvir o
que Ele dizia e acabaram por regressar a casa sem o prender. Nunca tinham
ouvido ninguém falar como aquele homem. A pessoa de Jesus fascinava, era
profundamente atraente e inspiradora, nunca fechada a ninguém, sempre
disponível ao dom e à alegria. Multidões sem conta apertavam-se para o ouvir
falar e lhe tocar. A sua fama espalhava-se cada vez mais por toda a região.
Muitos deixavam-se dominar pelo espanto e permaneciam encantados a louvar a
Deus por estarem a ver e ouvir coisas tão extraordinárias e diferentes, como
transformar a água em vinho, multiplicar o pão e o peixe, perdoar os pecados,
ressuscitar os mortos, dar vista aos cegos, curar os coxos, sarar os doentes,
acalmar os ventos e as tempestades.... Outros, sem palavras que os
satisfizesse, limitavam-se a dizer que um grande profeta aparecera entre eles,
que Deus, de facto, tinha visitado o seu povo. Outros, ainda, não menos
maravilhados, também se perguntavam, boquiabertos, de onde é que lhe vinha tanta sabedoria e poder,
pois pensavam conhecê-lo muito bem como o filho do carpinteiro e de Maria. O
impacto que Jesus provocava, não por malabarismos ou excentricidades, mas pelas
maravilhas que operava e pela força empática da sua palavra cheia de serenidade
e beleza, alegrava as multidões e muitos deixavam tudo para o seguir. No
entanto, se uns se maravilhavam com tudo o que estava a acontecer, os que se
julgavam donos da verdade e dos outros, sentiam-se incomodados no seu posto, tornaram-se adversários
rancorosos de Jesus, mesmo que em
desacordo quanto à sua pessoa. Uns diziam: “Ele é realmente o Profeta”,
outros afirmavam: “É o Messias”. Outros, porém, contestavam: “poderá o Messias
vir da Galileia? Não diz a escritura que o Messias será da linhagem de David e
virá de Belém, a cidade de David?”. “De Nazaré poderá vir alguma coisa boa?”.
Nesse animado e desconfiado palanfrório de que nos dá conta o Evangelho, depois
de terem ouvido Jesus e de se terem ouvido uns aos outros, puseram fim à
discussão “e cada um voltou para sua casa”! Se discordavam quanto à pessoa de
Jesus, este voltar a casa transportava neles um pensamento unânime. Todos
magicavam como é que se haveriam de ver livres daquela “pestinha”, espécie de
intruso a quem era preciso fazer calar, prender e matar. No próximo Domingo, na
Leitura da Paixão, à pergunta hipócrita de Pilatos sobre o que havia de fazer a
Jesus, ouvi-los-emos a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Obtido esse objetivo
e muito senhores de si, também “cada um voltou para sua casa!”
Pensando curtir a vida na libertinagem, fora e longe
da casa paterna, também o filho pródigo acabou por voltar para casa. Caindo em
si, constatou que a sua atitude aventureira o fez cair na maior das misérias.
Nostálgico da casa paterna, sentiu o abandono dos amigos da onça, sentiu a
vergonha e a solidão, o vazio e o nada, a tristeza e a fome. Arrependido e
confiante, ganha coragem e decide regressar. Incerto quanto à reação do pai,
ensaiou-se para lhe pedir perdão e que o tratasse como a um simples empregado.
O pai, porém, surpreende-o. Logo que o
vê, corre ao seu encontro, abraça-o, beija-o numa felicidade inaudita que nem
sequer o quer ouvir a pedir perdão e apoio. Reveste-o com a dignidade de filho,
de filho querido e amado com todos os direitos de filho, faz festa e festa
rija. Que bom, o filho tinha regressado!
Esta parábola do pai do filho pródigo, foi-nos
contada por Jesus para nos revelar o amor de Deus por cada um de nós. O pecado,
tantas vezes manifestado no desejo de domínio, na falta de diálogo e
transparência, na corrupção, nas formas de vida dupla, na tibieza ou vazio
espiritual, na apatia e indiferença, faz-nos sentir mal, afasta-nos de Deus,
gera vazio interior, mal estar, desassossega. Mas ninguém pode perdoar os
pecados a si próprio. O perdão pede-se a quem se ofendeu. Pelo pecado, pela
fuga da casa paterna, cava-se uma rutura na comunhão com Deus e com a Igreja, o
que implica a necessidade do perdão de Deus e da reconciliação com a Igreja.
Isto acontece através do sacramento da Confissão. Por maior que seja o pecado,
a misericórdia de Deus é muito maior. Até no alto da cruz Ele perdoa a quem o
matava! É por isso que o perdão dos pecados no sacramento da Confissão deve ser
procurado e recebido “como uma prenda, como um dom do Espírito Santo, que nos
enche da torrente de misericórdia e de graça que brota incessantemente do
Coração aberto de Cristo Crucificado e Ressuscitado”, como afirma o Papa
Francisco. É lá que experimentamos, de novo, a
proximidade, a misericórdia, a surpresa de Deus que vem ao nosso encontro, nos
abraça e dá paz. Não como mera segurança e conforto pessoal, mas como encontro
vivo com Ele na força do Espírito Santo, donde nasce um renovado compromisso na
construção da santidade e de um mundo melhor. Se o Sacramento da Reconciliação,
ou Confissão, for central na vida de cada cristão, tudo será diferente e
poderemos dizer uns dos outros que “cada um voltou para sua casa”, com uma fé
mais adulta e madura, fermento de renovação familiar e social.
Na esperança da Ressurreição, a Quaresma
passa por aí! Feliz Páscoa para todos, com muita saúde, alegria e paz.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 26-03-2021.
*************************
QUARESMA - “SAÍA D’ELE UMA FORÇA QUE A TODOS
CURAVA”
Na
Igreja, a Quaresma é, por natureza, um tempo catecumenal, um tempo de
descoberta e redescoberta da fé cristã como relação vital de absoluta confiança
no Senhor Jesus Cristo. Aliás, a Páscoa, celebração da revelação plena de
Cristo para onde a Quaresma nos conduz, só ganhará densidade espiritual e
existencial se a Quaresma se assumir como caminho e exercício de descoberta e
redescoberta da relação com Jesus Cristo. A condição humana, cada um de nós,
surpreende-se, comove-se diante de Jesus Cristo. Ele é, ao mesmo tempo, tão
nosso e tão de Deus, tão humano e tão divino, tão histórico e tão do Céu e da
eternidade. Antes de nos dizermos, já Ele nos conhece. Antes de lhe pedirmos,
já Ele se nos disponibilizou. Com a sua palavra e os seus gestos de proximidade,
cativa-nos. Com o mistério da sua Pessoa, colhe o nosso afeto, a nossa
inteligência, a nossa vontade. Tocados pela sua humanidade, tornamo-nos, por
bênção sua, capazes de tocar a sua divindade. Assim, rendidos e livres,
estabelecemos com Ele uma relação vital de absoluta confiança, por onde,
doravante, passará a vida toda. D’Ele brota uma força que não deixa ninguém
indiferente e cura todos os males.
A
fé não é, portanto, uma invenção de religiões. Nenhuma imposição a conseguiria
legitimar. Nenhuma lei a conseguiria impor. Nenhum moralismo a conseguiria
justificar e ser seu alicerce. Nenhuma tradição, por si só, a conseguiria
manter. Tudo isso seriam insuficiências, andaimes solitários sem construção a
erguer. Dom recebido e resposta dada, a fé cristã vai buscar muitas das suas
dinâmicas mais elementares à vida humana. Mas é na surpresa graciosa do
encontro com o dom de Deus em Jesus Cristo que ela se radica como atitude e
ritmo. É esta fé, vivida como bênção, presença de Cristo sentida ao nosso lado,
é esta fé que vai atravessar a nossa vida com as suas graças e desgraças, os
seus encantos e desesperos, as suas alegrias e tristezas. É esta fé, vivida
como bênção, que purifica a nossa vida com paixão, com graciosidade e com
ousadia profética de batizados. É o nosso batismo, que o mesmo é dizer a nossa
fé, que está em causa em cada Quaresma. Conversão e penitência, jejum, esmola e
oração são exercícios batismais da nossa vida cristã porque são expressão da
nossa vital confiança em Jesus Cristo e da nossa reação ao tempo e aos modos da
vida.
A
pandemia que atravessamos pode ser bem o contexto de humanidade em que a nossa
fé é chamada a redescobrir-se e a dar fruto. Exigidas pela situação de crise, há
um conjunto de ações que, nos crentes, são autênticos imperativos de
consciência da vida cristã: na solidão, saber ser presença construtiva e não
escravo da desconfiança; no desespero, saber ser força de esperança; na doença,
saber ser cuidador; na dificuldade económica ou social, saber partilhar e
promover; na prossecução do bem comum, saber comprometer-se e fazer caminho em
comum; nas palavras, saber edificar e promover a verdade; nas atitudes
quotidianas, saber eleger e construir a justiça; nas relações pessoais e de
cidadania, saber respeitar e acolher. A pandemia, com a doença e a pressão que
exerce em toda a sociedade, pode tornar-nos hipersensíveis, facilmente
descarriláveis e irascíveis. Pode pressionar-nos e trazer constrangimentos
vários à nossa vida. E é aí que é necessário ter sempre Cristo diante dos
olhos, ter sempre Cristo no coração e nas mãos. Os cristãos não temos de ser
uma maioria social, percentual, para sermos uma maioria virtuosa. Podemos até
ser uma minoria, mas, sem nos acanharmos e ganharmos complexo de seita,
saberemos ser Igreja à dimensão do mundo e à dimensão do próprio Cristo.
Este
ano, e por vontade do Papa Francisco, conjugam-se com a nossa Quaresma o Ano da
“Família Amoris Laetitia” e o Ano de S. José. Na sua Carta Apostólica para este
ano, o Papa Francisco diz-nos que foi com “coração de pai” que José amou Jesus.
Humilde, discreto, trabalhador, sempre pronto a realizar a vontade de Deus,
homem do silêncio como escuta, atento aos sinais de Deus e aos sinais dos
tempos, corajoso, pedagogo e, sobretudo, justo. Em José confrontamo-nos com um
homem que é justo porque se ajustou a Deus. E é por se ajustar a Deus que cedo
aprendeu a pensar como Deus, a agir como Deus, a amar como Deus. A sua fé e a
alegria do seu amor foram o grande motor da sua vida. É também a alegria do
amor que o Papa Francisco nos convida a encontrar na família cristã quando
promove o Ano “Família Amoris Laetitia”. Ele insiste na leitura da Exortação
Apostólica Amoris Laetitia e deseja levar ao aprofundamento da identidade da
família cristã como dom de pessoas e como dom à Igreja e ao mundo. Deseja
promover o acompanhamento dos esposos, a educação integral dos filhos, a
reflexão sobre as luzes e sombras da vida da família cristã, as crises
familiares, a participação das famílias nas estruturas de evangelização e da
Igreja. Tempo de redescoberta e revitalização da nossa fé, a Quaresma deste ano
faz com que se cruzem a fé e a pandemia, a fé e a família, a fé e a gratidão
pelo dom da santidade de S. José.
De
Jesus, na sua Palavra, nos seus gestos, na vida da Igreja como Comunidade,
brota uma força que não deixa ninguém indiferente. Como discípulos de Jesus
sempre em processo de conversão, somos, pois, desafiados a viver mais uma
Quaresma, mais um dom que acontece ao longo da nossa existência. Se a
mundaneidade convida ao ter, ao parecer e ao poder, a Quaresma pede especial
atenção ao ser. É um tempo de penitência e conversão. Um tempo de oração filial
que nos ajuda a limpar, arrumar e romper a dureza do coração, convertendo-nos a
Deus e aos irmãos. Uma oração que leve ao jejum do pecado, à mudança menos boa
de estar, pensar e falar, à privação do que não é essencial, à penitência e
austeridade pessoal, ao sacrifício que liberta. Uma oração que converta e leve
àquela partilha a que chamamos “renúncia quaresmal” e que tem um destino
determinado por cada Bispo diocesano, tornado público no início da Quaresma e,
ao longo da Quaresma, entregue em cada paróquia. Não se trata de renunciar para
poupar, não se trata de um peditório, não se trata de uma recolha de fundos,
não se trata de dar para ficar arrumado e não me incomodarem mais, não se trata
de pagar, não se trata tanto de dar uma esmola a quem a pede ou necessita,
embora não se deva permanecer indiferente e fazer vista grossa. Trata-se duma
caminhada espiritual disciplinada e vivida na alegria da oração, da conversão
interior, do pensar em Deus e nos outros, do sentir a importância da gratuidade
e da fraternidade. Trata-se da mudança de mentalidade e de coração que também
se pode traduzir em renunciar a isto ou àquilo, que, embora se julgue
apetecível, não é necessário, e o seu custo se coloca de parte para a causa
social anunciada. Para além disso, a conversão pode mesmo implicar o aliviar
dos bolsos (Lc 19, 1-10; Lc 18, 18-23). É uma pedagogia familiar de que tantas
crianças e tantos jovens nos dão tão belos testemunhos, renunciando a um bolo,
a um cigarro, a um café, a um programa televisivo, a ser escravo das redes
socias... ou os leva a estudar mais e melhor, a programar momentos de oração, a
visitar o vizinho acamado ou a viver mais comprometido nas causas da fé e do
bem comum, a respeitar os apelos ao confinamento e a vivê-lo com esperança,
pensando na própria saúde e saúde dos outros... Enfim, trata-se de cada um,
pelos caminhos possíveis, viver a Quaresma de tal forma que o conduza à Páscoa,
descobrindo e redescobrindo cada vez mais o gesto do amor de Deus para connosco
manifestado em Cristo Jesus seu Filho.
A Renúncia Quaresmal de 2020, em toda a Diocese, e devido ao ambiente de confinamento rigoroso, foi mesmo residual (1.769,34€). Tinha como destino ajudar à construção de um Centro de Acolhimento e Saúde na Arquidiocese de Kananga, República Democrática do Congo, donde temos dois sacerdotes a trabalhar nesta nossa Diocese. Este ano de 2021, destinamos 60% para o mesmo fim e 40% para o Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas. De um Arciprestado, chegou à Cúria Diocesana uma verba de renúncia quaresmal atrasada, a qual será enviada para o destino anunciado nessa altura.
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