PARÓQUIAS DE NISA
Segunda-feira, 29 de março de 2021
Semana Santa
LITURGIA
Segunda-feira da Semana Santa
Roxo – Ofício próprio.
Missa própria, pf. II da Paixão.
L 1 Is 42, 1-7; Sal 26 (27), 1. 2. 3. 13-14
Ev Jo 12, 1-11
* Proibidas as Missas de defuntos, exceto a exequial.
MISSA
ANTÍFONA DE ENTRADA Salmo
34, 1-2; 139, 8
Julgai, Senhor, os meus inimigos, combatei os que me fazem guerra. Tomai o
escudo e a armadura e vinde em meu auxílio, Senhor, meu poderoso Salvador.
ORAÇÃO COLECTA
Olhai, Senhor, para a fragilidade da nossa natureza mortal e fortalecei a
esperança dos vossos fiéis pelos méritos do vosso Filho Unigénito, que é Deus
convosco na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I Is 42, 1-7 1- Esta leitura é o “Primeiro Cântico do Servo do
Senhor”, o primeiro de uma série de quatro cânticos que serão lidos durante
esta semana. Celebram eles os desígnios de Deus, realizados, primeiro, no seu
povo de Israel e, finalmente, e de maneira definitiva, no Messias, Jesus, o
Servo de Deus, o Salvador. Este primeiro cântico celebra a vocação do Servo de
Deus, que é o enlevo do Pai, sobre quem repousa o Espírito de Deus, e Aquele
que o Pai envia para ser a luz e a salvação dos homens, como logo canta o
salmo.
Leitura do Livro de Isaías
«Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre
ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não
gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana
fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: mas proclamará fielmente a
justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na
terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam». Assim fala o Senhor Deus,
que criou e estendeu os céus, consolidou a terra e o que ela produz, dá vida ao
povo que a habita e respiração aos que sobre ela caminham: «Fui Eu, o Senhor,
que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a
aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do
cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 26 (27), 1.2.3.13-14 (R. 1a)
Refrão: O Senhor é a minha luz e a minha
salvação. Repete-se
O Senhor é minha luz e salvação:
a quem hei de temer?
O Senhor é protetor da minha vida:
de quem hei de ter medo? Refrão
Quando os malvados me assaltaram
para devorar a minha carne,
foram eles, meus inimigos e adversários,
que vacilaram e caíram. Refrão
Se um exército me vier cercar,
o meu coração não temerá.
Se contra mim travarem batalha,
mesmo assim terei confiança. Refrão
Espero vir a contemplar a bondade do Senhor
na terra dos vivos.
Confia no Senhor, sê forte.
Tem coragem e confia no Senhor. Refrão
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Refrão: Louvor e glória a Vós, Jesus Cristo, Senhor.
Repete-se
Salve, Senhor, nosso Rei;
só Vós tivestes piedade dos nossos erros. Refrão
EVANGELHO Jo 12, 1-11
«Deixa-a em paz:
ela tinha guardado o perfume para o dia da minha sepultura»
A leitura situa-nos exatamente no dia de hoje, falando à maneira judaica: seis
dias antes da Páscoa. O ambiente da casa dos três irmãos, amigos de Jesus, é
todo de amizade, mas também de pressentimento da morte. No entanto, tudo
respira imensa paz, a paz do Mistério Pascal. O gesto de Maria manifesta o amor
pelo Mestre, que dá a vida pelos homens. Ao contrário, a interpretação de Judas
é cheia de ódio mal disfarçado.
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Seis dias antes da Páscoa, Jesus foi a Betânia, onde vivia Lázaro, que Ele
tinha ressuscitado dos mortos. Ofereceram-Lhe lá um jantar: Marta andava a
servir e Lázaro era um dos que estavam à mesa com Jesus. Então Maria tomou uma
libra de perfume de nardo puro, de alto preço, ungiu os pés de Jesus e
enxugou-Lhos com os cabelos; e a casa encheu-se com o perfume do bálsamo. Disse
então Judas Iscariotes, um dos discípulos, aquele que havia de entregar Jesus:
«Porque não se vendeu este perfume por trezentos denários, para dar aos
pobres?» Disse isto, não porque se importava com os pobres, mas porque era
ladrão e, tendo a bolsa comum, tirava o que nela se lançava. Jesus
respondeu-lhe: «Deixa-a em paz: ela tinha guardado o perfume para o dia da
minha sepultura. Pobres, sempre os tereis convosco; mas a Mim, nem sempre Me
tereis». Soube então grande número de judeus que Jesus Se encontrava ali e
vieram, não só por causa de Jesus, mas também para verem Lázaro, que Ele tinha
ressuscitado dos mortos. Entretanto, os príncipes dos sacerdotes resolveram
matar também Lázaro, porque muitos judeus, por causa dele, se afastavam e
acreditavam em Jesus.
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Olhai benignamente, Senhor, para os sagrados mistérios que celebramos e fazei
que seja fonte de vida eterna o sacramento que instituistes para remissão dos
nossos pecados. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco
na unidade do Espírito Santo.
Prefácio da Paixão do Senhor II
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Salmo 101, 3
Não escondais, Senhor, o vosso rosto no dia da minha aflição. Inclinai para mim
o vosso ouvido. No dia em que chamar por Vós, respondei-me sem demora.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Visitai, Senhor, o povo santificado por estes mistérios e defendei-o com
paternal bondade, para que conserve sempre, como remédio de salvação eterna, os
dons recebidos da vossa misericórdia. Por Nosso Senhor.
MÉTODO DE ORAÇÃO BÍBLICA:
1. Leitura: - Lê, respeita, situa o
que lês.
- Detém-te no conteúdo de fé e da passagem que leste
2.
Meditação: - Interioriza, dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa que a passagem da Palavra de Deus que leste “leia a tua vida” 2020.11.28
3. Oração: - Louva o Senhor,
suplica, escuta.
- Dirige-te a Deus que te falou através da Sua Palavra.
LEITURAS:
Is 42, 1-7 -
Esta leitura é o
“Primeiro Cântico do Servo do Senhor”, o primeiro de uma série de quatro
cânticos que serão lidos durante esta semana. Celebram eles os desígnios de
Deus, realizados, primeiro, no seu povo de Israel e, finalmente, e de maneira
definitiva, no Messias, Jesus, o Servo de Deus, o Salvador. Este primeiro cântico
celebra a vocação do Servo de Deus, que é o enlevo do Pai, sobre quem repousa o
Espírito de Deus, e Aquele que o Pai envia para ser a luz e a salvação dos
homens, como logo canta o salmo.
Jo 12, 1-11 -
A leitura situa-nos exatamente
no dia de hoje, falando à maneira judaica: seis dias antes da Páscoa. O
ambiente da casa dos três irmãos, amigos de Jesus, é todo de amizade, mas
também de pressentimento da morte. No entanto, tudo respira imensa paz, a paz
do Mistério Pascal. O gesto de Maria manifesta o amor pelo Mestre, que dá a
vida pelos homens. Ao contrário, a interpretação de Judas é cheia de ódio mal
disfarçado.
AGENDA DO DIA
.
A VOZ DO PASTOR:
E
CADA UM VOLTOU PARA SUA CASA!...
Há frases a que nunca damos qualquer importância,
mesmo que as leiamos vezes sem conta. Mas lá chega um momento em que nos fazem
acordar como se de um relógio despertador se tratasse. Levantam-nos da soneira
e levam o pensamento para voos sem fim. Isso acontece, sobretudo, quando lemos
a Sagrada Escritura. Mesmo que conheçamos certos livros e passagens, há sempre
novas perspetivas a descobrir, novas lições a tirar, passagens que, apesar de tantas
vezes lidas e escutadas, nunca nos disseram nada. Mas chega um momento em que nos
fazem abrir as janelas ao ar fresco da vida, trazem luz, sacodem-nos, levam-nos
a outras paragens. É a riqueza da Palavra de Deus, de Deus que sempre nos
surpreende e toca no ombro. Há dias, o Evangelho da Eucaristia terminava
dizendo que “e cada um voltou para sua casa”.
Oh! Que frase tão comezinha e nada importante, é
verdade! Mas o silêncio feito depois de a escutar, fê-la ecoar no sótão pensante
e pôs-me a divagar. Neste voltar a casa, a casa pode ser entendida como a
pátria, a terra natal, à qual nem sempre há gosto em voltar, sobretudo, se, por
falta de condições, até se foi obrigado a sair de lá, ou, como neste momento,
muitos não poderão regressar por causa da pandemia. Mas deixemos essa dimensão
e fixemo-nos na outra casa, na casa de família. Pode-se voltar para casa vindo
de muitos lugares: do trabalho, do cinema, do baile, da tasca, da noite, do
café, do casino, da criminalidade, da casa do vizinho, da festa, do estrangeiro...
Atendendo às circunstâncias de cada um, esse voltar a casa, pode não trazer
consigo o sentimento de alegria, do desejo do encontro. Pode trazer tristeza e
até rancor. Tristeza, por tantas e tantas razões. Talvez por saber que tem gente
doente em casa, a sofrer, e não sabe o que lhe há de fazer, porque não tem pão
na mesa para dar aos filhos e acaba de ser despedido do emprego, porque o amor
e a paz deixaram de existir lá dentro daquelas paredes, porque...porque... Mas quem
volta a casa pode também vir carregado de más intenções, de revolta, de desejo
de violência, de ajuste de contas, de desprezo, vingança.... É verdade que tudo
isso, aqui ou ali, pode acontecer. Esse voltar a casa, porém, também pode suscitar
diferentes estados de alma a quem está em casa. Pode suscitar sentimentos de
alegria e de boas-vindas naqueles que valorizam a família, que a cultivam nos
valores e na verdade, que a promovem cada vez mais como comunidade de vida e de
amor, como lugar saudável de refúgio e acolhimento, de alegria e de paz, de
solidariedade e corresponsabilidade. Mas também pode acontecer que, quem está
em casa, esteja sempre com o coração nas mãos. Pressente que quem está a chegar
vem alcoolizado como de costume, esmurrado porque sempre em zaragatas, violento
a exigir a mísera reforma de seus pais para a sua vida airada, useiro e vezeiro
em violência, truculento com jeitos de quem pode e manda e a pensar que quanto
mais alto fala mais razão tem...pobres filhos, pobres pais, pobre comunidade
familiar!
E cada um voltou para sua casa!... A frase em
questão aparece no contexto da discussão sobre quem era afinal aquele homem
chamado Jesus, o Senhor da vida e da alegria de viver. Os próprios guardas do Templo,
que foram mandatados para o prender, encostaram-se aos outros a ouvir o que Ele
dizia e acabaram por regressar a casa sem o prender. Nunca tinham ouvido ninguém
falar como aquele homem. A pessoa de Jesus fascinava, era profundamente
atraente e inspiradora, nunca fechada a ninguém, sempre disponível ao dom e à
alegria. Multidões sem conta apertavam-se para o ouvir falar e lhe tocar. A sua
fama espalhava-se cada vez mais por toda a região. Muitos deixavam-se dominar
pelo espanto e permaneciam encantados a louvar a Deus por estarem a ver e ouvir
coisas tão extraordinárias e diferentes, como transformar a água em vinho,
multiplicar o pão e o peixe, perdoar os pecados, ressuscitar os mortos, dar
vista aos cegos, curar os coxos, sarar os doentes, acalmar os ventos e as
tempestades.... Outros, sem palavras que os satisfizesse, limitavam-se a dizer
que um grande profeta aparecera entre eles, que Deus, de facto, tinha visitado o
seu povo. Outros, ainda, não menos maravilhados, também se perguntavam,
boquiabertos, de onde é
que lhe vinha tanta sabedoria e poder, pois pensavam conhecê-lo muito bem como o
filho do carpinteiro e de Maria. O impacto que Jesus provocava, não por
malabarismos ou excentricidades, mas pelas maravilhas que operava e pela força
empática da sua palavra cheia de serenidade e beleza, alegrava as multidões e
muitos deixavam tudo para o seguir. No entanto, se uns se maravilhavam com tudo
o que estava a acontecer, os que se julgavam donos da verdade e dos outros, sentiam-se incomodados no seu posto,
tornaram-se adversários rancorosos de Jesus, mesmo que em desacordo quanto à sua pessoa.
Uns diziam: “Ele é realmente o Profeta”, outros afirmavam: “É o Messias”.
Outros, porém, contestavam: “poderá o Messias vir da Galileia? Não diz a
escritura que o Messias será da linhagem de David e virá de Belém, a cidade de
David?”. “De Nazaré poderá vir alguma coisa boa?”. Nesse animado e desconfiado
palanfrório de que nos dá conta o Evangelho, depois de terem ouvido Jesus e de
se terem ouvido uns aos outros, puseram fim à discussão “e cada um voltou para
sua casa”! Se discordavam quanto à pessoa de Jesus, este voltar a casa
transportava neles um pensamento unânime. Todos magicavam como é que se
haveriam de ver livres daquela “pestinha”, espécie de intruso a quem era
preciso fazer calar, prender e matar. No próximo Domingo, na Leitura da Paixão,
à pergunta hipócrita de Pilatos sobre o que havia de fazer a Jesus, ouvi-los-emos
a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Obtido esse objetivo e muito senhores de
si, também “cada um voltou para sua casa!”
Pensando curtir a vida na libertinagem, fora e longe
da casa paterna, também o filho pródigo acabou por voltar para casa. Caindo em
si, constatou que a sua atitude aventureira o fez cair na maior das misérias. Nostálgico
da casa paterna, sentiu o abandono dos amigos da onça, sentiu a vergonha e a
solidão, o vazio e o nada, a tristeza e a fome. Arrependido e confiante, ganha
coragem e decide regressar. Incerto quanto à reação do pai, ensaiou-se para lhe
pedir perdão e que o tratasse como a um simples empregado. O pai, porém,
surpreende-o. Logo que o vê, corre ao
seu encontro, abraça-o, beija-o numa felicidade inaudita que nem sequer o quer
ouvir a pedir perdão e apoio. Reveste-o com a dignidade de filho, de filho
querido e amado com todos os direitos de filho, faz festa e festa rija. Que
bom, o filho tinha regressado!
Esta parábola do pai do filho pródigo, foi-nos
contada por Jesus para nos revelar o amor de Deus por cada um de nós. O pecado,
tantas vezes manifestado no desejo de domínio, na falta de diálogo e
transparência, na corrupção, nas formas de vida dupla, na tibieza ou vazio
espiritual, na apatia e indiferença, faz-nos sentir mal, afasta-nos de Deus,
gera vazio interior, mal estar, desassossega. Mas ninguém pode perdoar os
pecados a si próprio. O perdão pede-se a quem se ofendeu. Pelo pecado, pela
fuga da casa paterna, cava-se uma rutura na comunhão com Deus e com a Igreja, o
que implica a necessidade do perdão de Deus e da reconciliação com a Igreja.
Isto acontece através do sacramento da Confissão. Por maior que seja o pecado,
a misericórdia de Deus é muito maior. Até no alto da cruz Ele perdoa a quem o
matava! É por isso que o perdão dos pecados no sacramento da Confissão deve ser
procurado e recebido “como uma prenda, como um dom do Espírito Santo, que nos
enche da torrente de misericórdia e de graça que brota incessantemente do
Coração aberto de Cristo Crucificado e Ressuscitado”, como afirma o Papa
Francisco. É lá que experimentamos, de novo, a
proximidade, a misericórdia, a surpresa de Deus que vem ao nosso encontro, nos
abraça e dá paz. Não como mera segurança e conforto pessoal, mas como encontro
vivo com Ele na força do Espírito Santo, donde nasce um renovado compromisso na
construção da santidade e de um mundo melhor. Se o Sacramento da Reconciliação,
ou Confissão, for central na vida de cada cristão, tudo será diferente e
poderemos dizer uns dos outros que “cada um voltou para sua casa”, com uma fé
mais adulta e madura, fermento de renovação familiar e social.
Na esperança da Ressurreição, a Quaresma
passa por aí! Feliz Páscoa para todos, com muita saúde, alegria e paz.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 26-03-2021.
*************************
QUARESMA - “SAÍA D’ELE UMA FORÇA QUE A TODOS
CURAVA”
Na
Igreja, a Quaresma é, por natureza, um tempo catecumenal, um tempo de
descoberta e redescoberta da fé cristã como relação vital de absoluta confiança
no Senhor Jesus Cristo. Aliás, a Páscoa, celebração da revelação plena de
Cristo para onde a Quaresma nos conduz, só ganhará densidade espiritual e
existencial se a Quaresma se assumir como caminho e exercício de descoberta e
redescoberta da relação com Jesus Cristo. A condição humana, cada um de nós,
surpreende-se, comove-se diante de Jesus Cristo. Ele é, ao mesmo tempo, tão
nosso e tão de Deus, tão humano e tão divino, tão histórico e tão do Céu e da
eternidade. Antes de nos dizermos, já Ele nos conhece. Antes de lhe pedirmos,
já Ele se nos disponibilizou. Com a sua palavra e os seus gestos de
proximidade, cativa-nos. Com o mistério da sua Pessoa, colhe o nosso afeto, a
nossa inteligência, a nossa vontade. Tocados pela sua humanidade, tornamo-nos,
por bênção sua, capazes de tocar a sua divindade. Assim, rendidos e livres,
estabelecemos com Ele uma relação vital de absoluta confiança, por onde, doravante,
passará a vida toda. D’Ele brota uma força que não deixa ninguém indiferente e
cura todos os males.
A
fé não é, portanto, uma invenção de religiões. Nenhuma imposição a conseguiria legitimar.
Nenhuma lei a conseguiria impor. Nenhum moralismo a conseguiria justificar e
ser seu alicerce. Nenhuma tradição, por si só, a conseguiria manter. Tudo isso
seriam insuficiências, andaimes solitários sem construção a erguer. Dom
recebido e resposta dada, a fé cristã vai buscar muitas das suas dinâmicas mais
elementares à vida humana. Mas é na surpresa graciosa do encontro com o dom de
Deus em Jesus Cristo que ela se radica como atitude e ritmo. É esta fé, vivida
como bênção, presença de Cristo sentida ao nosso lado, é esta fé que vai
atravessar a nossa vida com as suas graças e desgraças, os seus encantos e
desesperos, as suas alegrias e tristezas. É esta fé, vivida como bênção, que
purifica a nossa vida com paixão, com graciosidade e com ousadia profética de
batizados. É o nosso batismo, que o mesmo é dizer a nossa fé, que está em causa
em cada Quaresma. Conversão e penitência, jejum, esmola e oração são exercícios
batismais da nossa vida cristã porque são expressão da nossa vital confiança em
Jesus Cristo e da nossa reação ao tempo e aos modos da vida.
A
pandemia que atravessamos pode ser bem o contexto de humanidade em que a nossa
fé é chamada a redescobrir-se e a dar fruto. Exigidas pela situação de crise,
há um conjunto de ações que, nos crentes, são autênticos imperativos de
consciência da vida cristã: na solidão, saber ser presença construtiva e não
escravo da desconfiança; no desespero, saber ser força de esperança; na doença,
saber ser cuidador; na dificuldade económica ou social, saber partilhar e
promover; na prossecução do bem comum, saber comprometer-se e fazer caminho em
comum; nas palavras, saber edificar e promover a verdade; nas atitudes
quotidianas, saber eleger e construir a justiça; nas relações pessoais e de
cidadania, saber respeitar e acolher. A pandemia, com a doença e a pressão que
exerce em toda a sociedade, pode tornar-nos hipersensíveis, facilmente
descarriláveis e irascíveis. Pode pressionar-nos e trazer constrangimentos
vários à nossa vida. E é aí que é necessário ter sempre Cristo diante dos
olhos, ter sempre Cristo no coração e nas mãos. Os cristãos não temos de ser
uma maioria social, percentual, para sermos uma maioria virtuosa. Podemos até
ser uma minoria, mas, sem nos acanharmos e ganharmos complexo de seita, saberemos
ser Igreja à dimensão do mundo e à dimensão do próprio Cristo.
Este
ano, e por vontade do Papa Francisco, conjugam-se com a nossa Quaresma o Ano da
“Família Amoris Laetitia” e o Ano de S. José. Na sua Carta Apostólica para este
ano, o Papa Francisco diz-nos que foi com “coração de pai” que José amou Jesus.
Humilde, discreto, trabalhador, sempre pronto a realizar a vontade de Deus,
homem do silêncio como escuta, atento aos sinais de Deus e aos sinais dos
tempos, corajoso, pedagogo e, sobretudo, justo. Em José confrontamo-nos com um
homem que é justo porque se ajustou a Deus. E é por se ajustar a Deus que cedo
aprendeu a pensar como Deus, a agir como Deus, a amar como Deus. A sua fé e a
alegria do seu amor foram o grande motor da sua vida. É também a alegria do
amor que o Papa Francisco nos convida a encontrar na família cristã quando
promove o Ano “Família Amoris Laetitia”. Ele insiste na leitura da Exortação
Apostólica Amoris Laetitia e deseja levar ao aprofundamento da identidade da
família cristã como dom de pessoas e como dom à Igreja e ao mundo. Deseja
promover o acompanhamento dos esposos, a educação integral dos filhos, a
reflexão sobre as luzes e sombras da vida da família cristã, as crises
familiares, a participação das famílias nas estruturas de evangelização e da
Igreja. Tempo de redescoberta e revitalização da nossa fé, a Quaresma deste ano
faz com que se cruzem a fé e a pandemia, a fé e a família, a fé e a gratidão
pelo dom da santidade de S. José.
De
Jesus, na sua Palavra, nos seus gestos, na vida da Igreja como Comunidade,
brota uma força que não deixa ninguém indiferente. Como discípulos de Jesus
sempre em processo de conversão, somos, pois, desafiados a viver mais uma
Quaresma, mais um dom que acontece ao longo da nossa existência. Se a mundaneidade
convida ao ter, ao parecer e ao poder, a Quaresma pede especial atenção ao ser.
É um tempo de penitência e conversão. Um tempo de oração filial que nos ajuda a
limpar, arrumar e romper a dureza do coração, convertendo-nos a Deus e aos
irmãos. Uma oração que leve ao jejum do pecado, à mudança menos boa de estar,
pensar e falar, à privação do que não é essencial, à penitência e austeridade
pessoal, ao sacrifício que liberta. Uma oração que converta e leve àquela
partilha a que chamamos “renúncia quaresmal” e que tem um destino determinado
por cada Bispo diocesano, tornado público no início da Quaresma e, ao longo da
Quaresma, entregue em cada paróquia. Não se trata de renunciar para poupar, não
se trata de um peditório, não se trata de uma recolha de fundos, não se trata
de dar para ficar arrumado e não me incomodarem mais, não se trata de pagar,
não se trata tanto de dar uma esmola a quem a pede ou necessita, embora não se
deva permanecer indiferente e fazer vista grossa. Trata-se duma caminhada espiritual
disciplinada e vivida na alegria da oração, da conversão interior, do pensar em
Deus e nos outros, do sentir a importância da gratuidade e da fraternidade.
Trata-se da mudança de mentalidade e de coração que também se pode traduzir em
renunciar a isto ou àquilo, que, embora se julgue apetecível, não é necessário,
e o seu custo se coloca de parte para a causa social anunciada. Para além
disso, a conversão pode mesmo implicar o aliviar dos bolsos (Lc 19, 1-10; Lc
18, 18-23). É uma pedagogia familiar de que tantas crianças e tantos jovens nos
dão tão belos testemunhos, renunciando a um bolo, a um cigarro, a um café, a um
programa televisivo, a ser escravo das redes socias... ou os leva a estudar
mais e melhor, a programar momentos de oração, a visitar o vizinho acamado ou a
viver mais comprometido nas causas da fé e do bem comum, a respeitar os apelos
ao confinamento e a vivê-lo com esperança, pensando na própria saúde e saúde
dos outros... Enfim, trata-se de cada um, pelos caminhos possíveis, viver a Quaresma
de tal forma que o conduza à Páscoa, descobrindo e redescobrindo cada vez mais
o gesto do amor de Deus para connosco manifestado em Cristo Jesus seu Filho.
A Renúncia Quaresmal de 2020, em toda a Diocese, e devido ao ambiente de confinamento rigoroso, foi mesmo residual (1.769,34€). Tinha como destino ajudar à construção de um Centro de Acolhimento e Saúde na Arquidiocese de Kananga, República Democrática do Congo, donde temos dois sacerdotes a trabalhar nesta nossa Diocese. Este ano de 2021, destinamos 60% para o mesmo fim e 40% para o Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas. De um Arciprestado, chegou à Cúria Diocesana uma verba de renúncia quaresmal atrasada, a qual será enviada para o destino anunciado nessa altura.
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