PARÓQUIAS DE NISA
Sexta-feira, 05 de março de 2021
II semana da quaresma
LITURGIA
Sexta-feira da semana II
Roxo – Ofício da féria.
Missa da féria, pf. da Quaresma.
L 1 Gen 37, 3-4. 12-13a.
17b-28; Sal 104 (105), 16-17. 18-19. 20-21
Ev Mt 21, 33-43. 45-46
MISSA
ANTÍFONA DE ENTRADA Salmo
30, 2. 5
Em Vós, Senhor, me refugio: jamais serei confundido.
Livrai-me das ciladas do inimigo. Vós sois o meu refúgio.
ORAÇÃO COLECTA
Concedei, Deus todo-poderoso, que, purificados pelo fervor da penitência
quaresmal, cheguemos com espírito renovado às próximas solenidades pascais. Por
Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do
Espírito Santo.
LEITURA I Gen 37, 3-4.12-13a.17b-28
«Aí vem o homem dos sonhos: vamos matá-lo»
Leitura do Livro
do Génesis
Jacob gostava mais de José que dos seus outros filhos, porque ele era o filho
da sua velhice; e mandou fazer-lhe uma túnica de mangas compridas. Os irmãos,
vendo que o pai o preferia a todos eles, começaram a odiá-lo e não eram capazes
de lhe falar com bons modos. Um dia foram para Siquém apascentar os rebanhos do
pai. Jacob disse a José: «Os teus irmãos apascentam os rebanhos em Siquém. vem
cá, pois quero mandar-te ir ter com eles». José partiu à procura dos irmãos e
encontrou-os em Dotain. Eles viram-no de longe e, antes que chegasse perto,
combinaram entre si a sua morte. Disseram uns aos outros: «Aí vem o homem dos
sonhos. Vamos matá-lo e atirá-lo a uma cisterna e depois diremos que um animal
feroz o devorou. Veremos então em que vão dar os seus sonhos». Mas Rúben ouviu
isto e, querendo livrá-lo das suas mãos, disse: «Não lhe tiremos a vida». Para
o livrar das suas mãos e entregá-lo ao pai, Rúben disse aos irmãos: «Não
derrameis sangue. Lançai-o nesta cisterna do deserto, mas não levanteis as mãos
contra ele». Quando José chegou junto dos irmãos, eles tiraram-lhe a túnica de
mangas compridas que trazia, pegaram nele e lançaram-no dentro da cisterna, uma
cisterna vazia, sem água. Depois sentaram-se para comer. Mas, erguendo os
olhos, viram uma caravana de ismaelitas que vinha de Galaad. Traziam camelos
carregados de goma de tragacanto, resina aromática e láudano, que levavam para
o Egipto. Então Judá disse aos irmãos: «Que interesse haveria em matar o nosso
irmão e esconder-lhe o sangue? Vamos vendê-lo aos ismaelitas, mas não lhe
ponhamos as mãos, porque é nosso irmão, da mesma carne que nós». Os irmãos
concordaram. Passando por ali uns negociantes de Madiã, tiraram José da
cisterna e venderam-no por vinte moedas de prata aos ismaelitas, que o levaram
para o Egipto.
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 104 (105), 16-17.18-19.20-21 (R. 5a)
Refrão: Recordai as maravilhas do Senhor. Repete-se
Deus chamou a fome sobre aquela terra
e privou-os do pão que dá o sustento.
Adiante deles enviara um homem:
José vendido como escravo. Refrão
Apertaram-lhe os pés com grilhões,
lançaram-lhe ao pescoço uma coleira de ferro,
até que se cumpriu a profecia
e a palavra do Senhor o mostrou inocente. Refrão
Então o rei mandou que o soltassem,
o soberano dos povos deu-lhe a liberdade;
e fê-lo senhor da sua casa
e governador de todos os seus domínios. Refrão
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO Jo 3, 16
Refrão: A salvação, a glória e o poder a Jesus
Cristo,
Nosso Senhor. Repete-se
Deus amou tanto o mundo
que entregou o seu Filho Unigénito;
quem acredita n’Ele tem a vida eterna. Refrão
EVANGELHO Mt 21, 33-43.45-46
«Este é o herdeiro; vamos matá-lo»
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, disse Jesus aos príncipes dos sacerdotes e aos anciãos do povo:
«Ouvi outra parábola: Havia um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com
uma sebe, cavou nela um lagar e levantou uma torre; depois arrendou-a a uns
vinhateiros e partiu para longe. Quando chegou a época das colheitas, mandou os
seus servos aos vinhateiros para receber os frutos. Os vinhateiros, porém,
lançando mão dos servos, espancaram um, mataram outro e a outro apedrejaram-no.
Tornou ele a mandar outros servos, em maior número que os primeiros, e eles
trataram-nos do mesmo modo. Por fim mandou-lhes o seu próprio filho, pensando:
‘Irão respeitar o meu filho’. Mas os vinhateiros, ao verem o filho, disseram
entre si: ‘Este é o herdeiro; vamos matá-lo e ficaremos com a sua herança’.
Agarraram-no, levaram- no para fora da vinha e mataram-no. Quando vier o dono
da vinha, que fará àqueles vinhateiros?» Os príncipes dos sacerdotes e os
anciãos do povo responderam-Lhe: «Mandará matar sem piedade esses malvados e
arrendará a vinha a outros vinhateiros que lhe entreguem os frutos a seu
tempo». Disse-lhes Jesus: «Nunca lestes na Escritura: ‘A pedra rejeitada pelos
construtores tornou-se a pedra angular; tudo isto veio do Senhor e é admirável
aos nossos olhos’? Por isso vos digo: Ser-vos-á tirado o reino de Deus e dado a
um povo que produza os seus frutos». Ao ouvirem as parábolas de Jesus, os
príncipes dos sacerdotes e os fariseus compreenderam que falava deles e queriam
prendê-l’O; mas tiveram medo do povo, que O considerava profeta.
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
A vossa misericórdia, Senhor, prepare os vossos servos para que possam celebrar
dignamente estes mistérios e se dediquem de todo o coração ao vosso serviço.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do
Espírito Santo.
Prefácio da Quaresma
ANTÍFONA DA COMUNHÃO I Jo, 4, 10
Deus amou-nos e enviou-nos o seu Filho
como vítima de expiação pelos nossos pecados.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor, que neste sacramento nos destes o penhor da salvação eterna, fazei que,
seguindo fielmente os vossos caminhos, cheguemos à plenitude da alegria no
reino dos Céus. Por Nosso Sehor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco
na unidade do Espírito Santo.
MÉTODO
DE ORAÇÃO BÍBLICA:
1.
Leitura: - Lê, respeita, situa o que lês.
- Detém-te
no conteúdo de fé e da passagem que leste
2.
Meditação: - Interioriza,
dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa
que a passagem da Palavra de Deus que leste “leia a tua vida” 2020.11.28
3.
Oração: - Louva o Senhor, suplica, escuta.
-
Dirige-te a Deus que te falou através da Sua Palavra.
LEITURAS: Gen 37, 3-4.12-13a.17b-28: A
liturgia deste dia oferece um caso típico do paralelo entre o Antigo e o Novo Testamento,
entre a figura e a realidade, entre José e Jesus: ambos foram inocentes, ambos
traídos pelos seus irmãos, ambos trocados por dinheiro, ambos amados pelo pai e
desprezados pelos irmãos a ponto de desejarem a morte, mas ambos finalmente
restituídos à vida, depois de terem sofrido a humilhação e a condenação. É
assim o processo do Mistério Pascal.
Mt 21, 33-43.45-46 :Os
inimigos de Jesus ao ouvi-l’O acabaram por compreender que Jesus falava acerca
deles e da história do seu povo. A vinha do Senhor é o seu povo, vinha tratada
com todos os desvelos desde sempre, desde o tempo em que o tirou do Egipto, em
que lhe enviava os profetas e, por fim, o seu próprio Filho. E eles
rejeitaram-nos e acabaram por lhes dar a morte, até ao próprio Filho. Grave proposta
esta à nossa reflexão, que assim acabará por compreender que foi pelos homens,
seus irmãos, que o Senhor sofreu a morte, e morte de cruz.
AGENDA DO DIA
16.30 horas: Funeral em
Montalvão
18.00 horas:
Missa transmitida por facebook (endereço: Zona
Pastoral de Nisa)
A VOZ DO PASTOR:
UM GENERAL FURIBUNDO RENDIDO À EVIDÊNCIA
Muito antes do
tempo dos afonsinhos, há cerca de três mil anos mais segundo menos segundo,
Israel sofreu as passas do Algarve com a Síria, ao tempo uma grande potência.
Neste tempo da Quaresma em que cada um é convidado
a guerrear-se contra as adversas potências interiores, é bom reconhecer a
capacidade de resistência e deitar mão das armas que conduzam à vitória. Porque
o testemunho, negativo ou positivo, de outros nos pode ajudar nessa tarefa,
hoje apresento-lhes um belo exemplar.
Nos tempos referidos,
o exército da Assíria era comandado por Naamã, um grande estratega, muito
aplaudido e confiante nas suas próprias forças. Um dia, porém, a doença
bateu-lhe à porta, ficou fraco e leproso. A lepra, uma das doenças mais antigas
da humanidade, era uma doença terrível, não só pelos danos ao corpo, mas também
porque era atribuída a libertinagens, pecados, castigos divinos, e sei lá mais
o quê!... Sem cura e contagiosa, ela reclamava o afastamento da comunidade,
osso duro de roer e ruminar , mas era assim, um grilhão difícil de suportar. E
que fazer agora com o ilustre general? O que não fazer? Como sair desta? Eis a
questão!... Sim, essa era a questão de Naamã e dos seus. E qual será a nossa
questão nestas pelejas da Quaresma?
Quando as tropas da Assíria
atacaram Israel, levaram, prisioneira, uma jovenzinha, que ficou ao serviço da
esposa de Naamã. Sem ressentimentos por ter sido deportada - apanágio dos
simples e humildes! -, esta jovem compadeceu-se do doente e falou à sua patroa, que, em Israel, havia um
senhor, o profeta Eliseu, que seria capaz de o curar. Naamã, talvez incrédulo, .contou
ao rei da Assíria o que esta menina havia dito à sua esposa. O rei animou
Naamã, e, como já nesse tempo as havia, até lhe meteu uma cunha: “Vá. Eu lhe
darei uma carta que você entregará ao rei de Israel”. Animado pela sugestão da jovem, feliz pelo
empurrão do rei, confiante na possibilidade de recuperar a saúde, o general lá
partiu, ele e a sua comitiva. Ao chegar ao destino, logo entrega a carta ao rei
de Israel, que dizia: “Quando receber esta carta, verá que lhe mando o meu
servo Naamã para que o cure da lepra”. Ora, não se reconhecendo com capacidade
de curar fosse quem fosse, o rei de Israel ficou com os azeites, “rasgou as
próprias vestes”, diz o texto. Como gato escaldado de água fria tem medo,
pensou que aquilo era uma engenhosa cilada do rei da Assíria para o tramar. E
foi o cabo dos trabalhos!
Entretanto, Eliseu, o homem de Deus, soube que o seu rei, o rei de
Israel, estava em apuros, não sabia o que fazer perante aquela comitiva
reforçada pela cunha do rei da Assíria. Então, Eliseu comunicou ao rei de
Israel que mandasse o general assírio ter com ele. Ó pernas para que vos
quero!... Dito e feito, o rei, em jeito de quem lhe saiu a sorte grande e mais
qualquer coisa, logo despachou Naamã e toda a comitiva ao encontro de
Eliseu. Eliseu, porém, se queria dizer ao rei de Israel que na sua própria
terra existia um profeta, também quis usar de pedagogia para com o importante
general assírio. Encheu-se de nove horas, empoleirou-se, fez-se caro, não
apareceu para recebeu pessoalmente o famoso militar. E se não o mandou aos
ninhos, mandou alguém
dizer-lhe que fosse tomar banho, que fosse mergulhar-se no rio e ficaria
curado: “Vai, lava-te sete vezes
no Jordão, e a tua carne será restaurada, ficarás limpo” (2 Reis 5,10). Naamã, um general de
gabarito, de tantos pergaminhos e feitos heroicos, sentiu-se humilhado, não
gostou, ficou aborrecido e bravo. Esperava um acolhimento pessoal e delicado da
parte do profeta e, com certeza, pensaria que ele fizesse para ali umas
mezinhas, o curasse e mandasse embora são e salvo, tal como hoje, infelizmente,
até entre cristãos, ainda se procura no ler ou deitar das cartas, no bruxedo,
magos, adivinhos e quejandos a solução para os problemas da vida. Não sendo
assim, e tendo-o ele mandado mergulhar no rio Jordão, Naamã bateu o pé e
prendeu o burrinho, qual criança caprichosa. Como se não bastasse, casquinou
para quem quis ouvir que, na sua terra, havia rios muito mais importantes que
aquele e com águas muito mais cristalinas que essas. Apressado e a rabujar, pôs
os pés a caminho para se ir embora e mandar o profeta à fava. Como afirmava Clemente
XIV, “nada mais pequeno do que um grande dominado pelo orgulho”, o que até dá
espetáculo digno de se admirar, pela negativa! Podemos imaginar a fita deste
senhor, que, cheio de importâncias
balofas, superioridades presumidas e preconceitos injustos, até no pedir se
manifestava pretensioso e a querer mandar, seguro que estava no seu amor
próprio de quem se julga sempre com razão!
Os
membros da sua comitiva, embora apreciando a tensão do momento, estavam mais
racionais e mais frescos para resistir ao embate. Encaixaram o recado de Eliseu
e deitaram água na fervura de Naamã. Porque não era coisa difícil, convenceram
Naamã a que, mesmo contrariado, descesse ao rio e se banhasse. Naamã, talvez
com vontade bélica de armar ali mais uma guerra e enfiar o profeta e os
presentes na barca de Caronte, cedeu à força de persuasão dos seus servos.
Mesmo contrariado, lá foi mergulhar sete vezes no Jordão.
Se
o profeta foi “malandro” para o fazer descer à terra, aquilo que para Naamã não
fazia sentido e seria uma humilhação, foi o que realmente o curou. Só quando
saiu dos seus búnqueres e castelos de defesa, só quando desceu das suas
importâncias e orgulho pátrio, só quando resolveu deixar-se de preconceitos e
aceitar o que lhe era proposto, é que foi curado. Vendo-se recauchutado e novo,
ficou sem jeito por ter reagido como reagiu e desfaz-se em salamaleques. Fez um
ato de fé no Deus único de Israel, reconheceu Eliseu como aquele que mostra a
presença de Deus no meio do povo e quis dar-lhe um valioso presente, com o qual
vinha prevenido. Eliseu, mesmo perante a insistência do general, não aceitou. O
general promete deixar a idolatria e, doravante, só prestar culto ao Deus de
Israel, o único que pode curar e a quem se sentia profundamente grato pelo
facto de o ter tornado um homem verdadeiramente novo. E parte, feliz e
saudável, reiterando fidelidade ao Senhor Deus de Israel e, agora humildemente,
pedindo terra, terra dali, terra que carregasse duas mulas, para, lá, na
Assíria, sobre essa terra, levantar um altar ao Deus único.
Deus faz-se encontrado através duma lógica muito diferente da nossa
lógica. Ele serve-se das coisas mais díspares e insignificantes para nos dizer
que está presente e atento. Quem crê em Deus e acredita que Ele pode restaurar
o centro e as periferias da sua vida, não pode ter a pretensão de lhe querer
dar ordens, de lhe querer dizer como é que Ele deve fazer, apoiado em
egocentrismos que destroem. Nem deve encaprichar só porque Ele não age como se
gostaria que agisse. Essa atitude seria sinal de que não estamos dispostos a
deixar as nossas razões e importâncias, as nossas rotinas e seguranças, sendo
julgadas, por nós e só por nós, como verdadeiro caminho de fidelidade e
salvação. Mas será que serão se não estamos dispostos a fazer o que Ele pede,
tal como aconteceu com o referido general? Este queria impor-lhe como é que Ele
haveria de fazer. Também pode acontecer que permaneçamos ensonados ou
fossilizados nessas rotinas egocêntricas, vivendo instalados na idolatria e na
indiferença, julgando-nos não só bons, mas os primeiros entre os bons,
sentindo-nos até com razões para exigir de Deus o bom e o melhor, e da forma
que nós entendemos. Se assim for, não passaremos de cristãos de meia-tigela.
Mesmo que difícil e em revolta, o general acabou por fazer caminho e ficar
curado, no corpo e no espírito, não como resultado de um ritual mágico nas
águas do Jordão, mas como fruto da ação salvífica de Deus que atuou através da
palavra do profeta. É interessante reparar que foi aquela jovenzinha, escrava
no estrangeiro, que iniciou o processo. Ultrapassou fronteiras, apontou o Deus
único capaz de curar e dar a vida. Também foram os humildes servos do general
que o ajudaram a seguir a palavra do profeta. Se estamos desafiados à humildade
e à conversão, reconheçamos também quanto bem podemos fazer anunciando
Aquele que cura e dá a Vida.
A Quaresma não é só para os outros,
também é para nós!
Antonino Dias
Portalegre-Castelo
Branco, 26-02-2021.
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QUARESMA -
“SAÍA D’ELE UMA FORÇA QUE A TODOS CURAVA”
Na Igreja, a
Quaresma é, por natureza, um tempo catecumenal, um tempo de descoberta e
redescoberta da fé cristã como relação vital de absoluta confiança no Senhor
Jesus Cristo. Aliás, a Páscoa, celebração da revelação plena de Cristo para
onde a Quaresma nos conduz, só ganhará densidade espiritual e existencial se a
Quaresma se assumir como caminho e exercício de descoberta e redescoberta da
relação com Jesus Cristo. A condição humana, cada um de nós, surpreende-se,
comove-se diante de Jesus Cristo. Ele é, ao mesmo tempo, tão nosso e tão de
Deus, tão humano e tão divino, tão histórico e tão do Céu e da eternidade.
Antes de nos dizermos, já Ele nos conhece. Antes de lhe pedirmos, já Ele se nos
disponibilizou. Com a sua palavra e os seus gestos de proximidade, cativa-nos.
Com o mistério da sua Pessoa, colhe o nosso afeto, a nossa inteligência, a
nossa vontade. Tocados pela sua humanidade, tornamo-nos, por bênção sua,
capazes de tocar a sua divindade. Assim, rendidos e livres, estabelecemos com
Ele uma relação vital de absoluta confiança, por onde, doravante, passará a
vida toda. D’Ele brota uma força que não deixa ninguém indiferente e cura todos
os males.
A fé não é,
portanto, uma invenção de religiões. Nenhuma imposição a conseguiria legitimar.
Nenhuma lei a conseguiria impor. Nenhum moralismo a conseguiria justificar e
ser seu alicerce. Nenhuma tradição, por si só, a conseguiria manter. Tudo isso
seriam insuficiências, andaimes solitários sem construção a erguer. Dom
recebido e resposta dada, a fé cristã vai buscar muitas das suas dinâmicas mais
elementares à vida humana. Mas é na surpresa graciosa do encontro com o dom de
Deus em Jesus Cristo que ela se radica como atitude e ritmo. É esta fé, vivida
como bênção, presença de Cristo sentida ao nosso lado, é esta fé que vai
atravessar a nossa vida com as suas graças e desgraças, os seus encantos e
desesperos, as suas alegrias e tristezas. É esta fé, vivida como bênção, que
purifica a nossa vida com paixão, com graciosidade e com ousadia profética de
batizados. É o nosso batismo, que o mesmo é dizer a nossa fé, que está em causa
em cada Quaresma. Conversão e penitência, jejum, esmola e oração são exercícios
batismais da nossa vida cristã porque são expressão da nossa vital confiança em
Jesus Cristo e da nossa reação ao tempo e aos modos da vida.
A pandemia
que atravessamos pode ser bem o contexto de humanidade em que a nossa fé é
chamada a redescobrir-se e a dar fruto. Exigidas pela situação de crise, há um
conjunto de ações que, nos crentes, são autênticos imperativos de consciência
da vida cristã: na solidão, saber ser presença construtiva e não escravo da
desconfiança; no desespero, saber ser força de esperança; na doença, saber ser
cuidador; na dificuldade económica ou social, saber partilhar e promover; na
prossecução do bem comum, saber comprometer-se e fazer caminho em comum; nas
palavras, saber edificar e promover a verdade; nas atitudes quotidianas, saber
eleger e construir a justiça; nas relações pessoais e de cidadania, saber
respeitar e acolher. A pandemia, com a doença e a pressão que exerce em toda a
sociedade, pode tornar-nos hipersensíveis, facilmente descarriláveis e
irascíveis. Pode pressionar-nos e trazer constrangimentos vários à nossa vida.
E é aí que é necessário ter sempre Cristo diante dos olhos, ter sempre Cristo
no coração e nas mãos. Os cristãos não temos de ser uma maioria social,
percentual, para sermos uma maioria virtuosa. Podemos até ser uma minoria, mas,
sem nos acanharmos e ganharmos complexo de seita, saberemos ser Igreja à
dimensão do mundo e à dimensão do próprio Cristo.
Este ano, e
por vontade do Papa Francisco, conjugam-se com a nossa Quaresma o Ano da
“Família Amoris Laetitia” e o Ano de S. José. Na sua Carta Apostólica para este
ano, o Papa Francisco diz-nos que foi com “coração de pai” que José amou Jesus.
Humilde, discreto, trabalhador, sempre pronto a realizar a vontade de Deus,
homem do silêncio como escuta, atento aos sinais de Deus e aos sinais dos
tempos, corajoso, pedagogo e, sobretudo, justo. Em José confrontamo-nos com um
homem que é justo porque se ajustou a Deus. E é por se ajustar a Deus que cedo
aprendeu a pensar como Deus, a agir como Deus, a amar como Deus. A sua fé e a
alegria do seu amor foram o grande motor da sua vida. É também a alegria do
amor que o Papa Francisco nos convida a encontrar na família cristã quando
promove o Ano “Família Amoris Laetitia”. Ele insiste na leitura da Exortação
Apostólica Amoris Laetitia e deseja levar ao aprofundamento da identidade da
família cristã como dom de pessoas e como dom à Igreja e ao mundo. Deseja
promover o acompanhamento dos esposos, a educação integral dos filhos, a
reflexão sobre as luzes e sombras da vida da família cristã, as crises
familiares, a participação das famílias nas estruturas de evangelização e da
Igreja. Tempo de redescoberta e revitalização da nossa fé, a Quaresma deste ano
faz com que se cruzem a fé e a pandemia, a fé e a família, a fé e a gratidão
pelo dom da santidade de S. José.
De Jesus, na
sua Palavra, nos seus gestos, na vida da Igreja como Comunidade, brota uma
força que não deixa ninguém indiferente. Como discípulos de Jesus sempre em
processo de conversão, somos, pois, desafiados a viver mais uma Quaresma, mais
um dom que acontece ao longo da nossa existência. Se a mundaneidade convida ao
ter, ao parecer e ao poder, a Quaresma pede especial atenção ao ser. É um tempo
de penitência e conversão. Um tempo de oração filial que nos ajuda a limpar,
arrumar e romper a dureza do coração, convertendo-nos a Deus e aos irmãos. Uma
oração que leve ao jejum do pecado, à mudança menos boa de estar, pensar e
falar, à privação do que não é essencial, à penitência e austeridade pessoal,
ao sacrifício que liberta. Uma oração que converta e leve àquela partilha a que
chamamos “renúncia quaresmal” e que tem um destino determinado por cada Bispo
diocesano, tornado público no início da Quaresma e, ao longo da Quaresma,
entregue em cada paróquia. Não se trata de renunciar para poupar, não se trata de
um peditório, não se trata de uma recolha de fundos, não se trata de dar para
ficar arrumado e não me incomodarem mais, não se trata de pagar, não se trata
tanto de dar uma esmola a quem a pede ou necessita, embora não se deva
permanecer indiferente e fazer vista grossa. Trata-se duma caminhada espiritual
disciplinada e vivida na alegria da oração, da conversão interior, do pensar em
Deus e nos outros, do sentir a importância da gratuidade e da fraternidade.
Trata-se da mudança de mentalidade e de coração que também se pode traduzir em
renunciar a isto ou àquilo, que, embora se julgue apetecível, não é necessário,
e o seu custo se coloca de parte para a causa social anunciada. Para além
disso, a conversão pode mesmo implicar o aliviar dos bolsos (Lc 19, 1-10; Lc
18, 18-23). É uma pedagogia familiar de que tantas crianças e tantos jovens nos
dão tão belos testemunhos, renunciando a um bolo, a um cigarro, a um café, a um
programa televisivo, a ser escravo das redes socias... ou os leva a estudar
mais e melhor, a programar momentos de oração, a visitar o vizinho acamado ou a
viver mais comprometido nas causas da fé e do bem comum, a respeitar os apelos
ao confinamento e a vivê-lo com esperança, pensando na própria saúde e saúde
dos outros... Enfim, trata-se de cada um, pelos caminhos possíveis, viver a
Quaresma de tal forma que o conduza à Páscoa, descobrindo e redescobrindo cada
vez mais o gesto do amor de Deus para connosco manifestado em Cristo Jesus seu
Filho.
A Renúncia
Quaresmal de 2020, em toda a Diocese, e devido ao ambiente de confinamento
rigoroso, foi mesmo mesmo residual (1.769,34€). Tinha como destino ajudar à
construção de um Centro de Acolhimento e Saúde na Arquidiocese de Kananga,
República Democrática do Congo, donde temos dois sacerdotes a trabalhar nesta
nossa Diocese. Este ano de 2021, destinamos 60% para o mesmo fim e 40% para o
Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas. De um Arciprestado, chegou à Cúria
Diocesana uma verba de renúncia quaresmal atrasada, a qual será enviada para o
destino anunciado nessa altura.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 12-02-2021.
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