PARÓQUIAS DE NISA
Quarta-feira, 31 de março de 2021
Semana Santa
LITURGIA
Quarta-feira da Semana Santa
Roxo – Ofício próprio.
Missa própria, pf. II da Paixão.
L 1 Is 50, 4-9a; Sal 68 (69), 8-10. 21bcd-22. 31. 33-34
Ev Mt 26, 14-25
* Proibidas as Missas de defuntos, exceto a exequial.
* Na Diocese de Angra – Dia do Sacerdócio. Na Sé – Missa Crismal.
* No Patriarcado de Lisboa – Aniversário da Ordenação episcopal de D. Américo
Manuel Alves Aguiar, Bispo Auxiliar (2019).
MISSA
ANTÍFONA
DE ENTRADA cf. Filip 2,
10.8.11
Ao nome de Jesus todos se ajoelhem no céu, na terra e nos abismos, porque o
Senhor obedeceu até à morte e morte de cruz: Jesus Cristo é o Senhor para
glória de Deus Pai.
ORAÇÃO COLECTA
Senhor nosso Deus, que, para nos libertar do poder do inimigo, quisestes que o
vosso Filho sofresse o suplício da cruz, concedei aos vossos servos a graça da
ressurreição. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco
na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I Is 50, 4-9a
«Não desviei o meu rosto dos que Me insultavam»
(Terceiro cântico do
Servo do Senhor)
Leitura do Livro
de Isaías
O Senhor deu-me a graça de falar como um discípulo, para que eu saiba dizer uma
palavra de alento aos que andam abatidos. Todas as manhãs Ele desperta os meus
ouvidos, para eu escutar, como escutam os discípulos. O Senhor Deus abriu-me os
ouvidos e eu não resisti nem recuei um passo. Apresentei as costas àqueles que
me batiam e a face aos que me arrancavam a barba; não desviei o meu rosto dos
que me insultavam e cuspiam. Mas o Senhor Deus veio em meu auxílio, e por isso
não fiquei envergonhado; tornei o meu rosto duro como pedra, e sei que não
ficarei desiludido. O meu advogado está perto de mim. Pretende alguém
instaurar-me um processo? Compareçamos juntos. Quem é o meu adversário? Que se
apresente! O Senhor Deus vem em meu auxílio. Quem ousará condenar-me?
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 68 (69), 8-10.21bcd-22.31.33-34 (R. 14
c b)
Refrão: Pela vossa grande misericórdia,
no tempo da graça, atendei-me, Senhor. Repete-se
Por Vós tenho suportado afrontas,
cobrindo-se meu rosto de confusão.
Tornei-me um estranho para os meus irmãos,
um desconhecido para a minha família.
Devorou-me o zelo da vossa casa
e recaíram sobre mim os insultos contra Vós. Refrão
O insulto despedaçou-me o coração
e eu desfaleço.
Esperei por compaixão e não apareceu,
nem encontrei quem me consolasse.
Misturaram-me fel na comida
e deram-me vinagre a beber. Refrão
Louvarei com cânticos o nome de Deus
e em acção de graças O glorificarei.
Vós, humildes, olhai e alegrai-vos,
buscai o Senhor e o vosso coração se reanimará.
O Senhor ouve os pobres
e não despreza os cativos. Refrão
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO
Refrão: Glória a Vós, Jesus Cristo,
Palavra do Pai. Repete-se
Salve, Senhor, nosso Rei; só Vós tivestes piedade dos nossos erros. Refrão
Ou:
Salve, Senhor, nosso Rei, obediente ao Pai,
que fostes levado como manso cordeiro
à morte na cruz. Refrão
EVANGELHO Mt 26, 14-25
«O Filho do homem vai partir, como está escrito.
Mas ai daquele por quem vai ser entregue!»
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo, um dos Doze, chamado Iscariotes, foi ter com os príncipes dos
sacerdotes e disse-lhes: «Que estais dispostos a dar-me para vos entregar
Jesus?» Eles garantiram-lhe trinta moedas de prata. A partir de então, Judas
procurava uma oportunidade para O entregar. No primeiro dia dos Ázimos, os
discípulos foram ter com Jesus e perguntaram-Lhe: «Onde queres que façamos os
preparativos para comer a Páscoa?» Ele respondeu: «Ide à cidade, a casa de tal
pessoa, e dizei-lhe: ‘O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo. É em tua
casa que Eu quero celebrar a Páscoa com os meus discípulos’». Os discípulos
fizeram como Jesus lhes tinha mandado e prepararam a Páscoa. Ao cair da tarde,
sentou-Se à mesa com os Doze. Enquanto comiam, declarou: «Em verdade, em
verdade vos digo: Um de vós Me entregará». Profundamente entristecidos, começou
cada um a perguntar Lhe: «Serei eu, Senhor?» Jesus respondeu: «Aquele que meteu
comigo a mão no prato é que vai entregar-Me. O Filho do homem vai partir, como
está escrito acerca d’Ele. Mas ai daquele por quem o Filho do homem vai ser
entregue! Melhor seria para esse homem não ter nascido». Judas, que O ia
entregar, tomou a palavra e perguntou: «Serei eu, Mestre?» Respondeu Jesus: «Tu
o disseste».
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Aceitai, Senhor, os dons que Vos oferecemos e fazei que, ao celebrarmos os mistérios
da paixão de Cristo, alcancemos a plenitude dos seus frutos. Por Nosso Senhor
Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
Prefácio da Paixão do Senhor II
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Mt 20, 28
O Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir e dar a vida pela redenção dos homens.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Senhor nosso Deus, dai-nos a graça de acreditar firmemente que, pela morte
temporal do vosso Filho, proclamada nestes santos mistérios, recebemos das vossas
mãos o penhor da vida eterna. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é
Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
MÉTODO DE ORAÇÃO BÍBLICA:
1. Leitura: - Lê, respeita, situa o
que lês.
- Detém-te no conteúdo de fé e da passagem que leste
2.
Meditação: - Interioriza, dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa que a passagem da Palavra de Deus que leste “leia a tua
vida” 2020.11.28
3. Oração: - Louva o Senhor,
suplica, escuta.
- Dirige-te a Deus que te falou através da Sua Palavra.
LEITURAS: Is
50, 4-9a
«Não desviei o meu rosto dos que Me insultavam»
(Terceiro cântico do
Servo do Senhor)
É o terceiro Cântico do Servo do Senhor. Jesus é esse Servo, humilhado,
desprezado, insultado pelos homens; mas, no meio de toda essa fraqueza, Ele é o
triunfador, porque o Pai está com Ele. O Pai O exaltará.
Mt 26, 14-25: A
traição de Judas é o inicio da Paixão. Esta traição é denunciada por Jesus
durante a refeição em que celebra a Páscoa e institui a Eucaristia. Deste modo,
a libertação é trazida por Jesus aos homens, ao mesmo tempo em que o homem O
atraiçoa e lhe dá a morte. Esta leitura está dominada pela ideia das
‘entregas’: a ‘entrega’ ou “traição” que Judas faz de Jesus, e a ‘entrega’ que
Jesus faz de Si mesmo na sua Páscoa, da qual já amanhã fará entrega aos seus
discípulos na Eucaristia.
AGENDA DO DIA
11-30 horas: Funeral em
Alpalhão
18.00 horas: Missa em
Nisa
A VOZ DO PASTOR:
E
CADA UM VOLTOU PARA SUA CASA!...
Há frases a que nunca damos qualquer importância,
mesmo que as leiamos vezes sem conta. Mas lá chega um momento em que nos fazem
acordar como se de um relógio despertador se tratasse. Levantam-nos da soneira
e levam o pensamento para voos sem fim. Isso acontece, sobretudo, quando lemos
a Sagrada Escritura. Mesmo que conheçamos certos livros e passagens, há sempre
novas perspetivas a descobrir, novas lições a tirar, passagens que, apesar de
tantas vezes lidas e escutadas, nunca nos disseram nada. Mas chega um momento
em que nos fazem abrir as janelas ao ar fresco da vida, trazem luz,
sacodem-nos, levam-nos a outras paragens. É a riqueza da Palavra de Deus, de
Deus que sempre nos surpreende e toca no ombro. Há dias, o Evangelho da
Eucaristia terminava dizendo que “e cada um voltou para sua casa”.
Oh! Que frase tão comezinha e nada importante, é
verdade! Mas o silêncio feito depois de a escutar, fê-la ecoar no sótão
pensante e pôs-me a divagar. Neste voltar a casa, a casa pode ser entendida
como a pátria, a terra natal, à qual nem sempre há gosto em voltar, sobretudo,
se, por falta de condições, até se foi obrigado a sair de lá, ou, como neste
momento, muitos não poderão regressar por causa da pandemia. Mas deixemos essa
dimensão e fixemo-nos na outra casa, na casa de família. Pode-se voltar para
casa vindo de muitos lugares: do trabalho, do cinema, do baile, da tasca, da
noite, do café, do casino, da criminalidade, da casa do vizinho, da festa, do
estrangeiro... Atendendo às circunstâncias de cada um, esse voltar a casa, pode
não trazer consigo o sentimento de alegria, do desejo do encontro. Pode trazer
tristeza e até rancor. Tristeza, por tantas e tantas razões. Talvez por saber
que tem gente doente em casa, a sofrer, e não sabe o que lhe há de fazer,
porque não tem pão na mesa para dar aos filhos e acaba de ser despedido do
emprego, porque o amor e a paz deixaram de existir lá dentro daquelas paredes,
porque...porque... Mas quem volta a casa pode também vir carregado de más
intenções, de revolta, de desejo de violência, de ajuste de contas, de
desprezo, vingança.... É verdade que tudo isso, aqui ou ali, pode acontecer.
Esse voltar a casa, porém, também pode suscitar diferentes estados de alma a
quem está em casa. Pode suscitar sentimentos de alegria e de boas-vindas
naqueles que valorizam a família, que a cultivam nos valores e na verdade, que
a promovem cada vez mais como comunidade de vida e de amor, como lugar saudável
de refúgio e acolhimento, de alegria e de paz, de solidariedade e
corresponsabilidade. Mas também pode acontecer que, quem está em casa, esteja
sempre com o coração nas mãos. Pressente que quem está a chegar vem alcoolizado
como de costume, esmurrado porque sempre em zaragatas, violento a exigir a
mísera reforma de seus pais para a sua vida airada, useiro e vezeiro em
violência, truculento com jeitos de quem pode e manda e a pensar que quanto
mais alto fala mais razão tem...pobres filhos, pobres pais, pobre comunidade
familiar!
E cada um voltou para sua casa!... A frase em
questão aparece no contexto da discussão sobre quem era afinal aquele homem
chamado Jesus, o Senhor da vida e da alegria de viver. Os próprios guardas do
Templo, que foram mandatados para o prender, encostaram-se aos outros a ouvir o
que Ele dizia e acabaram por regressar a casa sem o prender. Nunca tinham
ouvido ninguém falar como aquele homem. A pessoa de Jesus fascinava, era
profundamente atraente e inspiradora, nunca fechada a ninguém, sempre
disponível ao dom e à alegria. Multidões sem conta apertavam-se para o ouvir
falar e lhe tocar. A sua fama espalhava-se cada vez mais por toda a região.
Muitos deixavam-se dominar pelo espanto e permaneciam encantados a louvar a
Deus por estarem a ver e ouvir coisas tão extraordinárias e diferentes, como
transformar a água em vinho, multiplicar o pão e o peixe, perdoar os pecados,
ressuscitar os mortos, dar vista aos cegos, curar os coxos, sarar os doentes,
acalmar os ventos e as tempestades.... Outros, sem palavras que os
satisfizesse, limitavam-se a dizer que um grande profeta aparecera entre eles,
que Deus, de facto, tinha visitado o seu povo. Outros, ainda, não menos
maravilhados, também se perguntavam, boquiabertos, de onde é que lhe vinha tanta sabedoria e poder,
pois pensavam conhecê-lo muito bem como o filho do carpinteiro e de Maria. O
impacto que Jesus provocava, não por malabarismos ou excentricidades, mas pelas
maravilhas que operava e pela força empática da sua palavra cheia de serenidade
e beleza, alegrava as multidões e muitos deixavam tudo para o seguir. No
entanto, se uns se maravilhavam com tudo o que estava a acontecer, os que se
julgavam donos da verdade e dos outros, sentiam-se incomodados no seu posto, tornaram-se adversários
rancorosos de Jesus, mesmo que em
desacordo quanto à sua pessoa. Uns diziam: “Ele é realmente o Profeta”,
outros afirmavam: “É o Messias”. Outros, porém, contestavam: “poderá o Messias
vir da Galileia? Não diz a escritura que o Messias será da linhagem de David e
virá de Belém, a cidade de David?”. “De Nazaré poderá vir alguma coisa boa?”.
Nesse animado e desconfiado palanfrório de que nos dá conta o Evangelho, depois
de terem ouvido Jesus e de se terem ouvido uns aos outros, puseram fim à
discussão “e cada um voltou para sua casa”! Se discordavam quanto à pessoa de
Jesus, este voltar a casa transportava neles um pensamento unânime. Todos
magicavam como é que se haveriam de ver livres daquela “pestinha”, espécie de
intruso a quem era preciso fazer calar, prender e matar. No próximo Domingo, na
Leitura da Paixão, à pergunta hipócrita de Pilatos sobre o que havia de fazer a
Jesus, ouvi-los-emos a gritar: “Crucifica-o! Crucifica-o!” Obtido esse objetivo
e muito senhores de si, também “cada um voltou para sua casa!”
Pensando curtir a vida na libertinagem, fora e longe
da casa paterna, também o filho pródigo acabou por voltar para casa. Caindo em
si, constatou que a sua atitude aventureira o fez cair na maior das misérias.
Nostálgico da casa paterna, sentiu o abandono dos amigos da onça, sentiu a
vergonha e a solidão, o vazio e o nada, a tristeza e a fome. Arrependido e
confiante, ganha coragem e decide regressar. Incerto quanto à reação do pai,
ensaiou-se para lhe pedir perdão e que o tratasse como a um simples empregado.
O pai, porém, surpreende-o. Logo que o
vê, corre ao seu encontro, abraça-o, beija-o numa felicidade inaudita que nem
sequer o quer ouvir a pedir perdão e apoio. Reveste-o com a dignidade de filho,
de filho querido e amado com todos os direitos de filho, faz festa e festa
rija. Que bom, o filho tinha regressado!
Esta parábola do pai do filho pródigo, foi-nos
contada por Jesus para nos revelar o amor de Deus por cada um de nós. O pecado,
tantas vezes manifestado no desejo de domínio, na falta de diálogo e
transparência, na corrupção, nas formas de vida dupla, na tibieza ou vazio
espiritual, na apatia e indiferença, faz-nos sentir mal, afasta-nos de Deus,
gera vazio interior, mal estar, desassossega. Mas ninguém pode perdoar os
pecados a si próprio. O perdão pede-se a quem se ofendeu. Pelo pecado, pela
fuga da casa paterna, cava-se uma rutura na comunhão com Deus e com a Igreja, o
que implica a necessidade do perdão de Deus e da reconciliação com a Igreja.
Isto acontece através do sacramento da Confissão. Por maior que seja o pecado,
a misericórdia de Deus é muito maior. Até no alto da cruz Ele perdoa a quem o
matava! É por isso que o perdão dos pecados no sacramento da Confissão deve ser
procurado e recebido “como uma prenda, como um dom do Espírito Santo, que nos
enche da torrente de misericórdia e de graça que brota incessantemente do
Coração aberto de Cristo Crucificado e Ressuscitado”, como afirma o Papa
Francisco. É lá que experimentamos, de novo, a
proximidade, a misericórdia, a surpresa de Deus que vem ao nosso encontro, nos
abraça e dá paz. Não como mera segurança e conforto pessoal, mas como encontro
vivo com Ele na força do Espírito Santo, donde nasce um renovado compromisso na
construção da santidade e de um mundo melhor. Se o Sacramento da Reconciliação,
ou Confissão, for central na vida de cada cristão, tudo será diferente e
poderemos dizer uns dos outros que “cada um voltou para sua casa”, com uma fé
mais adulta e madura, fermento de renovação familiar e social.
Na esperança da Ressurreição, a Quaresma
passa por aí! Feliz Páscoa para todos, com muita saúde, alegria e paz.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 26-03-2021.
*************************
QUARESMA - “SAÍA D’ELE UMA FORÇA QUE A TODOS
CURAVA”
Na
Igreja, a Quaresma é, por natureza, um tempo catecumenal, um tempo de
descoberta e redescoberta da fé cristã como relação vital de absoluta confiança
no Senhor Jesus Cristo. Aliás, a Páscoa, celebração da revelação plena de
Cristo para onde a Quaresma nos conduz, só ganhará densidade espiritual e
existencial se a Quaresma se assumir como caminho e exercício de descoberta e
redescoberta da relação com Jesus Cristo. A condição humana, cada um de nós,
surpreende-se, comove-se diante de Jesus Cristo. Ele é, ao mesmo tempo, tão
nosso e tão de Deus, tão humano e tão divino, tão histórico e tão do Céu e da
eternidade. Antes de nos dizermos, já Ele nos conhece. Antes de lhe pedirmos,
já Ele se nos disponibilizou. Com a sua palavra e os seus gestos de
proximidade, cativa-nos. Com o mistério da sua Pessoa, colhe o nosso afeto, a
nossa inteligência, a nossa vontade. Tocados pela sua humanidade, tornamo-nos,
por bênção sua, capazes de tocar a sua divindade. Assim, rendidos e livres,
estabelecemos com Ele uma relação vital de absoluta confiança, por onde,
doravante, passará a vida toda. D’Ele brota uma força que não deixa ninguém
indiferente e cura todos os males.
A
fé não é, portanto, uma invenção de religiões. Nenhuma imposição a conseguiria
legitimar. Nenhuma lei a conseguiria impor. Nenhum moralismo a conseguiria
justificar e ser seu alicerce. Nenhuma tradição, por si só, a conseguiria
manter. Tudo isso seriam insuficiências, andaimes solitários sem construção a
erguer. Dom recebido e resposta dada, a fé cristã vai buscar muitas das suas
dinâmicas mais elementares à vida humana. Mas é na surpresa graciosa do
encontro com o dom de Deus em Jesus Cristo que ela se radica como atitude e
ritmo. É esta fé, vivida como bênção, presença de Cristo sentida ao nosso lado,
é esta fé que vai atravessar a nossa vida com as suas graças e desgraças, os
seus encantos e desesperos, as suas alegrias e tristezas. É esta fé, vivida
como bênção, que purifica a nossa vida com paixão, com graciosidade e com
ousadia profética de batizados. É o nosso batismo, que o mesmo é dizer a nossa
fé, que está em causa em cada Quaresma. Conversão e penitência, jejum, esmola e
oração são exercícios batismais da nossa vida cristã porque são expressão da
nossa vital confiança em Jesus Cristo e da nossa reação ao tempo e aos modos da
vida.
A
pandemia que atravessamos pode ser bem o contexto de humanidade em que a nossa
fé é chamada a redescobrir-se e a dar fruto. Exigidas pela situação de crise,
há um conjunto de ações que, nos crentes, são autênticos imperativos de
consciência da vida cristã: na solidão, saber ser presença construtiva e não
escravo da desconfiança; no desespero, saber ser força de esperança; na doença,
saber ser cuidador; na dificuldade económica ou social, saber partilhar e
promover; na prossecução do bem comum, saber comprometer-se e fazer caminho em
comum; nas palavras, saber edificar e promover a verdade; nas atitudes quotidianas,
saber eleger e construir a justiça; nas relações pessoais e de cidadania, saber
respeitar e acolher. A pandemia, com a doença e a pressão que exerce em toda a
sociedade, pode tornar-nos hipersensíveis, facilmente descarriláveis e
irascíveis. Pode pressionar-nos e trazer constrangimentos vários à nossa vida.
E é aí que é necessário ter sempre Cristo diante dos olhos, ter sempre Cristo
no coração e nas mãos. Os cristãos não temos de ser uma maioria social,
percentual, para sermos uma maioria virtuosa. Podemos até ser uma minoria, mas,
sem nos acanharmos e ganharmos complexo de seita, saberemos ser Igreja à
dimensão do mundo e à dimensão do próprio Cristo.
Este
ano, e por vontade do Papa Francisco, conjugam-se com a nossa Quaresma o Ano da
“Família Amoris Laetitia” e o Ano de S. José. Na sua Carta Apostólica para este
ano, o Papa Francisco diz-nos que foi com “coração de pai” que José amou Jesus.
Humilde, discreto, trabalhador, sempre pronto a realizar a vontade de Deus,
homem do silêncio como escuta, atento aos sinais de Deus e aos sinais dos
tempos, corajoso, pedagogo e, sobretudo, justo. Em José confrontamo-nos com um
homem que é justo porque se ajustou a Deus. E é por se ajustar a Deus que cedo
aprendeu a pensar como Deus, a agir como Deus, a amar como Deus. A sua fé e a
alegria do seu amor foram o grande motor da sua vida. É também a alegria do
amor que o Papa Francisco nos convida a encontrar na família cristã quando
promove o Ano “Família Amoris Laetitia”. Ele insiste na leitura da Exortação Apostólica
Amoris Laetitia e deseja levar ao aprofundamento da identidade da família
cristã como dom de pessoas e como dom à Igreja e ao mundo. Deseja promover o
acompanhamento dos esposos, a educação integral dos filhos, a reflexão sobre as
luzes e sombras da vida da família cristã, as crises familiares, a participação
das famílias nas estruturas de evangelização e da Igreja. Tempo de redescoberta
e revitalização da nossa fé, a Quaresma deste ano faz com que se cruzem a fé e
a pandemia, a fé e a família, a fé e a gratidão pelo dom da santidade de S.
José.
De
Jesus, na sua Palavra, nos seus gestos, na vida da Igreja como Comunidade,
brota uma força que não deixa ninguém indiferente. Como discípulos de Jesus
sempre em processo de conversão, somos, pois, desafiados a viver mais uma
Quaresma, mais um dom que acontece ao longo da nossa existência. Se a
mundaneidade convida ao ter, ao parecer e ao poder, a Quaresma pede especial
atenção ao ser. É um tempo de penitência e conversão. Um tempo de oração filial
que nos ajuda a limpar, arrumar e romper a dureza do coração, convertendo-nos a
Deus e aos irmãos. Uma oração que leve ao jejum do pecado, à mudança menos boa
de estar, pensar e falar, à privação do que não é essencial, à penitência e
austeridade pessoal, ao sacrifício que liberta. Uma oração que converta e leve
àquela partilha a que chamamos “renúncia quaresmal” e que tem um destino
determinado por cada Bispo diocesano, tornado público no início da Quaresma e,
ao longo da Quaresma, entregue em cada paróquia. Não se trata de renunciar para
poupar, não se trata de um peditório, não se trata de uma recolha de fundos,
não se trata de dar para ficar arrumado e não me incomodarem mais, não se trata
de pagar, não se trata tanto de dar uma esmola a quem a pede ou necessita,
embora não se deva permanecer indiferente e fazer vista grossa. Trata-se duma
caminhada espiritual disciplinada e vivida na alegria da oração, da conversão
interior, do pensar em Deus e nos outros, do sentir a importância da gratuidade
e da fraternidade. Trata-se da mudança de mentalidade e de coração que também
se pode traduzir em renunciar a isto ou àquilo, que, embora se julgue
apetecível, não é necessário, e o seu custo se coloca de parte para a causa
social anunciada. Para além disso, a conversão pode mesmo implicar o aliviar
dos bolsos (Lc 19, 1-10; Lc 18, 18-23). É uma pedagogia familiar de que tantas
crianças e tantos jovens nos dão tão belos testemunhos, renunciando a um bolo,
a um cigarro, a um café, a um programa televisivo, a ser escravo das redes
socias... ou os leva a estudar mais e melhor, a programar momentos de oração, a
visitar o vizinho acamado ou a viver mais comprometido nas causas da fé e do
bem comum, a respeitar os apelos ao confinamento e a vivê-lo com esperança,
pensando na própria saúde e saúde dos outros... Enfim, trata-se de cada um,
pelos caminhos possíveis, viver a Quaresma de tal forma que o conduza à Páscoa,
descobrindo e redescobrindo cada vez mais o gesto do amor de Deus para connosco
manifestado em Cristo Jesus seu Filho.
A Renúncia Quaresmal de 2020, em toda a Diocese, e devido ao ambiente de confinamento rigoroso, foi mesmo residual (1.769,34€). Tinha como destino ajudar à construção de um Centro de Acolhimento e Saúde na Arquidiocese de Kananga, República Democrática do Congo, donde temos dois sacerdotes a trabalhar nesta nossa Diocese. Este ano de 2021, destinamos 60% para o mesmo fim e 40% para o Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas. De um Arciprestado, chegou à Cúria Diocesana uma verba de renúncia quaresmal atrasada, a qual será enviada para o destino anunciado nessa altura.
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