PARÓQUIAS DE NISA
Quinta-feira, 04 de março de 2021
II semana da quaresma
LITURGIA
Quinta-feira da semana II
Roxo – Ofício da féria.
Missa da féria, pf. da Quaresma.
L 1 Jer 17, 5-10; Sal 1, 1-2. 3. 4 e 6
Ev Lc 16, 19-31
MISSA
ANTÍFONA DE ENTRADA Salmo,
138, 23-24
Sondai-me, Senhor, e conhecei os meus pensamentos. Vede que não ande por maus
caminhos. Conduzi-me pelo caminho da eternidade.
ORAÇÃO COLECTA
Senhor, Pai santo, que amais a inocência e a restituís aos que a perderam,
dirigi para Vós os corações dos vossos servos pelo fervor do Espírito Santo,
para que sejam firmes na fé e eficientes nas boas obras. Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LEITURA I Jer 17, 5-10
«Maldito quem confia no homem.
Bendito quem confia no Senhor»
Leitura do Livro
de Jeremias
Assim fala o Senhor: «Maldito o homem
que confia no homem e põe na carne a sua esperança, afastando o seu coração do
Senhor. Será como o cardo na estepe, que nem percebe quando chega a felicidade;
habitará na aridez do deserto, terra salobre e inóspita. Bendito o homem que
confia no Senhor e põe no Senhor a sua esperança. É como a árvore plantada à
beira da água, que estende as raízes para a corrente: nada tem a temer quando
vem o calor e a sua folhagem mantém-se sempre verde; em ano de estiagem não se
inquieta e não deixa de produzir os seus frutos. O coração é o que há de mais
astucioso e incorrigível. Quem o pode entender? Posso Eu, que sou o Senhor:
penetro os corações, sondo os mais íntimos sentimentos, para retribuir a cada
um segundo o seu caminho, conforme o fruto das suas obras».
Palavra do Senhor.
SALMO RESPONSORIAL Salmo 1, 1-2.3.4.6 (R. Salmo 39, 5a)
Refrão: Feliz o homem que pôs a sua
esperança no Senhor. Repete-se
Feliz o homem que não segue o conselho dos ímpios,
nem se detém no caminho dos pecadores,
mas antes se compraz na lei do Senhor,
e nela medita dia e noite. Refrão
É como árvore plantada à beira das águas:
dá fruto a seu tempo e sua folhagem não murcha.
Tudo quanto fizer será bem sucedido. Refrão
Bem diferente é a sorte dos ímpios:
são como palha que o vento leva.
O Senhor vela pelo caminho dos justos,
mas o caminho dos pecadores leva à perdição. Refrão
ACLAMAÇÃO ANTES DO EVANGELHO cf. Lc 8, 15
Refrão: Grandes e admiráveis são as vossas obras, Senhor. Repete-se
Bem-aventurados os que ouvem a palavra de Deus
com coração nobre e generoso
e produzem fruto pela perseverança. Refrão
EVANGELHO Lc 16, 19-31
«Recebeste os teus bens em vida e Lázaro apenas os males.
Agora ele encontra-se aqui consolado, enquanto tu és atormentado»
Evangelho de Nosso Senhor
Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo, disse Jesus aos fariseus: «Havia um homem rico, que se vestia de
linho fino e se banqueteava esplendidamente todos os dias. Um pobre chamado
Lázaro jazia junto do seu portão, coberto de chagas. Bem desejava ele saciar-se
com os restos caídos da mesa do rico; mas até os cães vinham lamber-lhe as
chagas. Ora sucedeu que o pobre morreu e foi colocado pelos Anjos ao lado de
Abraão. Morreu também o rico e foi sepultado. Na mansão dos mortos, estando em
tormentos, levantou os olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado. Então ergueu a
voz e disse: ‘Pai Abraão, tem compaixão de mim. Envia Lázaro, para que molhe em
água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou atormentado nestas
chamas’. Abraão respondeu-lhe: ‘Filho, lembra-te que recebeste os teus bens em
vida e Lázaro apenas os males. Por isso, agora ele encontra-se aqui consolado,
enquanto tu és atormentado. Além disso, há entre nós e vós um grande abismo, de
modo que, se alguém quisesse passar daqui para junto de vós, não poderia
fazê-lo’. O rico exclamou: ‘Então peço-te, ó pai, que mandes Lázaro à minha
casa paterna – pois tenho cinco irmãos – para que os previna, a fim de que não
venham também para este lugar de tormento’. Disse-lhe Abraão: ‘Eles têm Moisés
e os Profetas: que os oiçam’. Mas ele insistiu: ‘Não, pai Abraão. Se algum dos
mortos for ter com eles, arrepender-se-ão’. Abraão respondeu-lhe: ‘Se não dão
ouvidos a Moisés e aos Profetas, também não se deixarão convencer, se alguém
ressuscitar dos mortos’».
Palavra da salvação.
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS
Santificai, Senhor, por este sacrifício, a nossa observância quaresmal, de modo
que a prática exterior da penitência nos leve à conversão interior do espírito.
Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do
Espírito Santo.
Prefácio da Quaresma
ANTÍFONA DA COMUNHÃO Salmo 118, 1
Felizes os que seguem o caminho perfeito
e andam na lei do Senhor.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO
Este santo sacrifício, Senhor, permaneça em todas as nossas acções e se
confirme no fruto das boas obras. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho,
que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
MÉTODO
DE ORAÇÃO BÍBLICA:
1.
Leitura: - Lê, respeita, situa o que lês.
- Detém-te
no conteúdo de fé e da passagem que leste
2.
Meditação: - Interioriza,
dialoga, atualiza o que leste.
- Deixa
que a passagem da Palavra de Deus que leste “leia a tua vida” 2020.11.28
3.
Oração: - Louva o Senhor, suplica, escuta.
- Dirige-te
a Deus que te falou através da Sua Palavra.
LEITURAS: Jer 17, 5-10: Temos
hoje uma liturgia de tipo sapiencial: procura ela ajudar-nos a descobrir a
verdadeira sabedoria, a que nos ensina a encontrar o caminho da vida e da
salvação. Quem nos salvará? E cada um responde com aquilo em que põe a sua
confiança. Jeremias ensina que é a força de Deus e não o poder humano quem pode
salvar, embora o coração humano, “o que há de mais astucioso e incorrigível”,
tente encontrar nos seus sentimentos mais íntimos a resposta para as suas
interrogações. Em vão o tenterá, se o não fez à luz de Deus.
Lc 16, 19-31: Agora,
no Novo Testamento, o Evangelho dá-nos o exemplo de um homem que não soube
deixar-se conduzir pela sabedoria, antes pôs a sua esperança nas riquezas! Mas
Deus, a quem está patente o coração de todos os homens, com a sua palavra,
fonte de graça, vai-nos dando a sabedoria da vida. É essa sabedoria que conduz os catecúmenos às fontes
batismais e que aos já batizados vai guiando na fidelidade ao Batismo
já recebido, de sorte que, de uns e outros, se poderá dizer na semana da
Páscoa: “Deu-lhes a
beber a água da sabedoria”.
AGENDA DO DIA
18.00 horas: Missa transmitida por facebook (endereço: Zona Pastoral de Nisa)
A VOZ DO PASTOR:
UM GENERAL FURIBUNDO RENDIDO À EVIDÊNCIA
Muito antes do
tempo dos afonsinhos, há cerca de três mil anos mais segundo menos segundo, Israel
sofreu as passas do Algarve com a Síria, ao tempo uma grande potência. Neste
tempo da Quaresma em que cada um é convidado a guerrear-se
contra as adversas potências interiores, é bom reconhecer a capacidade de
resistência e deitar mão das armas que conduzam à vitória. Porque o testemunho,
negativo ou positivo, de outros nos pode ajudar nessa tarefa, hoje
apresento-lhes um belo exemplar.
Nos tempos referidos,
o exército da Assíria era comandado por Naamã, um grande estratega, muito
aplaudido e confiante nas suas próprias forças. Um dia, porém, a doença
bateu-lhe à porta, ficou fraco e leproso. A lepra, uma das doenças mais antigas
da humanidade, era uma doença terrível, não só pelos danos ao corpo, mas também
porque era atribuída a libertinagens, pecados, castigos divinos, e sei lá mais
o quê!... Sem cura e contagiosa, ela reclamava o afastamento da comunidade,
osso duro de roer e ruminar , mas era assim, um grilhão difícil de suportar. E
que fazer agora com o ilustre general? O que não fazer? Como sair desta? Eis a
questão!... Sim, essa era a questão de Naamã e dos seus. E qual será a nossa
questão nestas pelejas da Quaresma?
Quando as tropas da Assíria
atacaram Israel, levaram, prisioneira, uma jovenzinha, que ficou ao serviço da
esposa de Naamã. Sem ressentimentos por ter sido deportada - apanágio dos
simples e humildes! -, esta jovem compadeceu-se do doente e falou à sua patroa, que, em Israel, havia um
senhor, o profeta Eliseu, que seria capaz de o curar. Naamã, talvez incrédulo, .contou
ao rei da Assíria o que esta menina havia dito à sua esposa. O rei animou
Naamã, e, como já nesse tempo as havia, até lhe meteu uma cunha: “Vá. Eu lhe
darei uma carta que você entregará ao rei de Israel”. Animado pela sugestão da jovem, feliz pelo
empurrão do rei, confiante na possibilidade de recuperar a saúde, o general lá
partiu, ele e a sua comitiva. Ao chegar ao destino, logo entrega a carta ao rei
de Israel, que dizia: “Quando receber esta carta, verá que lhe mando o meu
servo Naamã para que o cure da lepra”. Ora, não se reconhecendo com capacidade
de curar fosse quem fosse, o rei de Israel ficou com os azeites, “rasgou as
próprias vestes”, diz o texto. Como gato escaldado de água fria tem medo,
pensou que aquilo era uma engenhosa cilada do rei da Assíria para o tramar. E
foi o cabo dos trabalhos!
Entretanto, Eliseu, o homem de Deus, soube que o seu rei, o rei de
Israel, estava em apuros, não sabia o que fazer perante aquela comitiva
reforçada pela cunha do rei da Assíria. Então, Eliseu comunicou ao rei de
Israel que mandasse o general assírio ter com ele. Ó pernas para que vos
quero!... Dito e feito, o rei, em jeito de quem lhe saiu a sorte grande e mais
qualquer coisa, logo despachou Naamã e toda a comitiva ao encontro de
Eliseu. Eliseu, porém, se queria dizer ao rei de Israel que na sua própria
terra existia um profeta, também quis usar de pedagogia para com o importante
general assírio. Encheu-se de nove horas, empoleirou-se, fez-se caro, não
apareceu para recebeu pessoalmente o famoso militar. E se não o mandou aos
ninhos, mandou alguém
dizer-lhe que fosse tomar banho, que fosse mergulhar-se no rio e ficaria
curado: “Vai, lava-te sete vezes
no Jordão, e a tua carne será restaurada, ficarás limpo” (2 Reis 5,10). Naamã, um general de
gabarito, de tantos pergaminhos e feitos heroicos, sentiu-se humilhado, não
gostou, ficou aborrecido e bravo. Esperava um acolhimento pessoal e delicado da
parte do profeta e, com certeza, pensaria que ele fizesse para ali umas
mezinhas, o curasse e mandasse embora são e salvo, tal como hoje, infelizmente,
até entre cristãos, ainda se procura no ler ou deitar das cartas, no bruxedo,
magos, adivinhos e quejandos a solução para os problemas da vida. Não sendo
assim, e tendo-o ele mandado mergulhar no rio Jordão, Naamã bateu o pé e prendeu
o burrinho, qual criança caprichosa. Como se não bastasse, casquinou para quem
quis ouvir que, na sua terra, havia rios muito mais importantes que aquele e
com águas muito mais cristalinas que essas. Apressado e a rabujar, pôs os pés a
caminho para se ir embora e mandar o profeta à fava. Como afirmava Clemente
XIV, “nada mais pequeno do que um grande dominado pelo orgulho”, o que até dá
espetáculo digno de se admirar, pela negativa! Podemos imaginar a fita deste
senhor, que, cheio de importâncias
balofas, superioridades presumidas e preconceitos injustos, até no pedir se
manifestava pretensioso e a querer mandar, seguro que estava no seu amor
próprio de quem se julga sempre com razão!
Os
membros da sua comitiva, embora apreciando a tensão do momento, estavam mais
racionais e mais frescos para resistir ao embate. Encaixaram o recado de Eliseu
e deitaram água na fervura de Naamã. Porque não era coisa difícil, convenceram
Naamã a que, mesmo contrariado, descesse ao rio e se banhasse. Naamã, talvez com
vontade bélica de armar ali mais uma guerra e enfiar o profeta e os presentes
na barca de Caronte, cedeu à força de persuasão dos seus servos. Mesmo
contrariado, lá foi mergulhar sete vezes no Jordão.
Se
o profeta foi “malandro” para o fazer descer à terra, aquilo que para Naamã não
fazia sentido e seria uma humilhação, foi o que realmente o curou. Só quando
saiu dos seus búnqueres e castelos de defesa, só quando desceu das suas
importâncias e orgulho pátrio, só quando resolveu deixar-se de preconceitos e
aceitar o que lhe era proposto, é que foi curado. Vendo-se recauchutado e novo,
ficou sem jeito por ter reagido como reagiu e desfaz-se em salamaleques. Fez um
ato de fé no Deus único de Israel, reconheceu Eliseu como aquele que mostra a
presença de Deus no meio do povo e quis dar-lhe um valioso presente, com o qual
vinha prevenido. Eliseu, mesmo perante a insistência do general, não aceitou. O
general promete deixar a idolatria e, doravante, só prestar culto ao Deus de
Israel, o único que pode curar e a quem se sentia profundamente grato pelo
facto de o ter tornado um homem verdadeiramente novo. E parte, feliz e
saudável, reiterando fidelidade ao Senhor Deus de Israel e, agora humildemente,
pedindo terra, terra dali, terra que carregasse duas mulas, para, lá, na
Assíria, sobre essa terra, levantar um altar ao Deus único.
Deus faz-se encontrado através duma lógica muito diferente da nossa
lógica. Ele serve-se das coisas mais díspares e insignificantes para nos dizer
que está presente e atento. Quem crê em Deus e acredita que Ele pode restaurar
o centro e as periferias da sua vida, não pode ter a pretensão de lhe querer
dar ordens, de lhe querer dizer como é que Ele deve fazer, apoiado em
egocentrismos que destroem. Nem deve encaprichar só porque Ele não age como se
gostaria que agisse. Essa atitude seria sinal de que não estamos dispostos a
deixar as nossas razões e importâncias, as nossas rotinas e seguranças, sendo
julgadas, por nós e só por nós, como verdadeiro caminho de fidelidade e salvação.
Mas será que serão se não estamos dispostos a fazer o que Ele pede, tal como
aconteceu com o referido general? Este queria impor-lhe como é que Ele haveria
de fazer. Também pode acontecer que permaneçamos ensonados ou fossilizados
nessas rotinas egocêntricas, vivendo instalados na idolatria e na indiferença,
julgando-nos não só bons, mas os primeiros entre os bons, sentindo-nos até com
razões para exigir de Deus o bom e o melhor, e da forma que nós entendemos. Se
assim for, não passaremos de cristãos de meia-tigela. Mesmo que difícil e em
revolta, o general acabou por fazer caminho e ficar curado, no corpo e no
espírito, não como resultado de um ritual mágico nas águas do Jordão, mas como
fruto da ação salvífica de Deus que atuou através da palavra do profeta. É
interessante reparar que foi aquela jovenzinha, escrava no estrangeiro, que
iniciou o processo. Ultrapassou fronteiras, apontou o Deus único capaz de curar
e dar a vida. Também foram os humildes servos do general que o ajudaram a
seguir a palavra do profeta. Se estamos desafiados à humildade e à conversão,
reconheçamos também quanto bem podemos fazer anunciando Aquele que cura e dá a Vida.
A Quaresma não é só para os outros,
também é para nós!
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco,
26-02-2021.
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QUARESMA -
“SAÍA D’ELE UMA FORÇA QUE A TODOS CURAVA”
Na Igreja, a
Quaresma é, por natureza, um tempo catecumenal, um tempo de descoberta e
redescoberta da fé cristã como relação vital de absoluta confiança no Senhor
Jesus Cristo. Aliás, a Páscoa, celebração da revelação plena de Cristo para
onde a Quaresma nos conduz, só ganhará densidade espiritual e existencial se a
Quaresma se assumir como caminho e exercício de descoberta e redescoberta da
relação com Jesus Cristo. A condição humana, cada um de nós, surpreende-se,
comove-se diante de Jesus Cristo. Ele é, ao mesmo tempo, tão nosso e tão de
Deus, tão humano e tão divino, tão histórico e tão do Céu e da eternidade.
Antes de nos dizermos, já Ele nos conhece. Antes de lhe pedirmos, já Ele se nos
disponibilizou. Com a sua palavra e os seus gestos de proximidade, cativa-nos.
Com o mistério da sua Pessoa, colhe o nosso afeto, a nossa inteligência, a
nossa vontade. Tocados pela sua humanidade, tornamo-nos, por bênção sua,
capazes de tocar a sua divindade. Assim, rendidos e livres, estabelecemos com
Ele uma relação vital de absoluta confiança, por onde, doravante, passará a
vida toda. D’Ele brota uma força que não deixa ninguém indiferente e cura todos
os males.
A fé não é,
portanto, uma invenção de religiões. Nenhuma imposição a conseguiria legitimar.
Nenhuma lei a conseguiria impor. Nenhum moralismo a conseguiria justificar e
ser seu alicerce. Nenhuma tradição, por si só, a conseguiria manter. Tudo isso
seriam insuficiências, andaimes solitários sem construção a erguer. Dom
recebido e resposta dada, a fé cristã vai buscar muitas das suas dinâmicas mais
elementares à vida humana. Mas é na surpresa graciosa do encontro com o dom de
Deus em Jesus Cristo que ela se radica como atitude e ritmo. É esta fé, vivida
como bênção, presença de Cristo sentida ao nosso lado, é esta fé que vai
atravessar a nossa vida com as suas graças e desgraças, os seus encantos e
desesperos, as suas alegrias e tristezas. É esta fé, vivida como bênção, que
purifica a nossa vida com paixão, com graciosidade e com ousadia profética de
batizados. É o nosso batismo, que o mesmo é dizer a nossa fé, que está em causa
em cada Quaresma. Conversão e penitência, jejum, esmola e oração são exercícios
batismais da nossa vida cristã porque são expressão da nossa vital confiança em
Jesus Cristo e da nossa reação ao tempo e aos modos da vida.
A pandemia
que atravessamos pode ser bem o contexto de humanidade em que a nossa fé é
chamada a redescobrir-se e a dar fruto. Exigidas pela situação de crise, há um
conjunto de ações que, nos crentes, são autênticos imperativos de consciência
da vida cristã: na solidão, saber ser presença construtiva e não escravo da
desconfiança; no desespero, saber ser força de esperança; na doença, saber ser
cuidador; na dificuldade económica ou social, saber partilhar e promover; na
prossecução do bem comum, saber comprometer-se e fazer caminho em comum; nas
palavras, saber edificar e promover a verdade; nas atitudes quotidianas, saber eleger
e construir a justiça; nas relações pessoais e de cidadania, saber respeitar e
acolher. A pandemia, com a doença e a pressão que exerce em toda a sociedade,
pode tornar-nos hipersensíveis, facilmente descarriláveis e irascíveis. Pode
pressionar-nos e trazer constrangimentos vários à nossa vida. E é aí que é
necessário ter sempre Cristo diante dos olhos, ter sempre Cristo no coração e
nas mãos. Os cristãos não temos de ser uma maioria social, percentual, para
sermos uma maioria virtuosa. Podemos até ser uma minoria, mas, sem nos
acanharmos e ganharmos complexo de seita, saberemos ser Igreja à dimensão do
mundo e à dimensão do próprio Cristo.
Este ano, e
por vontade do Papa Francisco, conjugam-se com a nossa Quaresma o Ano da
“Família Amoris Laetitia” e o Ano de S. José. Na sua Carta Apostólica para este
ano, o Papa Francisco diz-nos que foi com “coração de pai” que José amou Jesus.
Humilde, discreto, trabalhador, sempre pronto a realizar a vontade de Deus,
homem do silêncio como escuta, atento aos sinais de Deus e aos sinais dos
tempos, corajoso, pedagogo e, sobretudo, justo. Em José confrontamo-nos com um
homem que é justo porque se ajustou a Deus. E é por se ajustar a Deus que cedo
aprendeu a pensar como Deus, a agir como Deus, a amar como Deus. A sua fé e a
alegria do seu amor foram o grande motor da sua vida. É também a alegria do
amor que o Papa Francisco nos convida a encontrar na família cristã quando
promove o Ano “Família Amoris Laetitia”. Ele insiste na leitura da Exortação
Apostólica Amoris Laetitia e deseja levar ao aprofundamento da identidade da
família cristã como dom de pessoas e como dom à Igreja e ao mundo. Deseja
promover o acompanhamento dos esposos, a educação integral dos filhos, a
reflexão sobre as luzes e sombras da vida da família cristã, as crises
familiares, a participação das famílias nas estruturas de evangelização e da
Igreja. Tempo de redescoberta e revitalização da nossa fé, a Quaresma deste ano
faz com que se cruzem a fé e a pandemia, a fé e a família, a fé e a gratidão pelo
dom da santidade de S. José.
De Jesus, na
sua Palavra, nos seus gestos, na vida da Igreja como Comunidade, brota uma
força que não deixa ninguém indiferente. Como discípulos de Jesus sempre em
processo de conversão, somos, pois, desafiados a viver mais uma Quaresma, mais
um dom que acontece ao longo da nossa existência. Se a mundaneidade convida ao
ter, ao parecer e ao poder, a Quaresma pede especial atenção ao ser. É um tempo
de penitência e conversão. Um tempo de oração filial que nos ajuda a limpar, arrumar
e romper a dureza do coração, convertendo-nos a Deus e aos irmãos. Uma oração
que leve ao jejum do pecado, à mudança menos boa de estar, pensar e falar, à
privação do que não é essencial, à penitência e austeridade pessoal, ao
sacrifício que liberta. Uma oração que converta e leve àquela partilha a que
chamamos “renúncia quaresmal” e que tem um destino determinado por cada Bispo
diocesano, tornado público no início da Quaresma e, ao longo da Quaresma,
entregue em cada paróquia. Não se trata de renunciar para poupar, não se trata
de um peditório, não se trata de uma recolha de fundos, não se trata de dar
para ficar arrumado e não me incomodarem mais, não se trata de pagar, não se
trata tanto de dar uma esmola a quem a pede ou necessita, embora não se deva
permanecer indiferente e fazer vista grossa. Trata-se duma caminhada espiritual
disciplinada e vivida na alegria da oração, da conversão interior, do pensar em
Deus e nos outros, do sentir a importância da gratuidade e da fraternidade.
Trata-se da mudança de mentalidade e de coração que também se pode traduzir em
renunciar a isto ou àquilo, que, embora se julgue apetecível, não é necessário,
e o seu custo se coloca de parte para a causa social anunciada. Para além
disso, a conversão pode mesmo implicar o aliviar dos bolsos (Lc 19, 1-10; Lc
18, 18-23). É uma pedagogia familiar de que tantas crianças e tantos jovens nos
dão tão belos testemunhos, renunciando a um bolo, a um cigarro, a um café, a um
programa televisivo, a ser escravo das redes socias... ou os leva a estudar
mais e melhor, a programar momentos de oração, a visitar o vizinho acamado ou a
viver mais comprometido nas causas da fé e do bem comum, a respeitar os apelos
ao confinamento e a vivê-lo com esperança, pensando na própria saúde e saúde dos
outros... Enfim, trata-se de cada um, pelos caminhos possíveis, viver a
Quaresma de tal forma que o conduza à Páscoa, descobrindo e redescobrindo cada
vez mais o gesto do amor de Deus para connosco manifestado em Cristo Jesus seu
Filho.
A Renúncia
Quaresmal de 2020, em toda a Diocese, e devido ao ambiente de confinamento
rigoroso, foi mesmo mesmo residual (1.769,34€). Tinha como destino ajudar à
construção de um Centro de Acolhimento e Saúde na Arquidiocese de Kananga,
República Democrática do Congo, donde temos dois sacerdotes a trabalhar nesta
nossa Diocese. Este ano de 2021, destinamos 60% para o mesmo fim e 40% para o
Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas. De um Arciprestado, chegou à Cúria
Diocesana uma verba de renúncia quaresmal atrasada, a qual será enviada para o
destino anunciado nessa altura.
Antonino Dias
Portalegre-Castelo Branco, 12-02-2021.
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