domingo, 25 de março de 2012

Carta de São José Freinademetz


Este Domingo foi passado na tranquilidade, aprofundando o muito que vivemos na peregrinação a Oïes, terra natal de São José Freinademetz. Preparamo-nos para mais uma semana do nosso curso. O primeiro orientador será o Pe. Abreu que veio de Portugal para nos falar do ancião na Bíblia. Hoje publicamos numa tradução portuguesa a primeira carta que o nosso santo missionário escreveu ao chegar à China. Escreveu esta carta oito dias depois de chegar. É realmente uma carta para familiares e amigos, onde conta as primeiras impressões, ainda sem conhecer profundamente o povo chinês. Neste momento as dificuldades ainda não chegaram e a novidade é o constante. Notamos e admiramos aqui um aspeto muito humano da sua personalidade. Nota-se a saudade que tem pela sua terra, que sabe que nunca mais verá. As palavras mais carinhosas vão para os pais e demais familiares. É uma carta bela, que vale a pena ler e meditar.

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Hongkong, 28 de Abril de 1879

Meus queridos no Sagrado Coração de Jesus.

Aqui me encontro no país pelo qual tanto rezei e que Deus achou por bem mostrar-me. Depois de uma viagem que demorou entre quatro a cinco mil horas, cheguei finalmente à China, o meu novo lar, pelo qual esperei tanto tempo. Louvado seja o meu Senhor e Deus porque olhou com o seu coração paternal e me trouxe em seus braços nesta longuíssima viagem cheia de perigos e obstáculos. Também vos agradeço a vós, pai e mãe, e a todos os que me acompanham com a sua oração, porque na verdade, vós partilhais comigo esta missão.

No último Domingo, dia 20, cheguei ao meu destino, Hongkong, China. Durante a  última semana, depois de que saímos de Ceilão, escrevi algumas linhas a bordo, embora o mar estivesse algo turbulento. O mar da China é conhecido pelas suas tempestades, e de facto assim sucedeu quando o cruzámos. Padeci de náuseas, pelo que tive de permanecer na cama. Esta última parte da nossa viagem foi desagradável; o barco estava simplesmente repleto de passageiros. Apenas se podia caminhar um pouco. Podereis imaginar quanto desejava chegar a Hongkong. Aconteceu finalmente o momento desejado. Seguro e, finalmente, cheio de esperança, desembarcamos. Um seminarista veio-nos buscar e levou-nos ao longo da grande cidade, enquanto que, com o coração palpitando de alegria, recitámos mentalmente o Te Deum, agradecendo ao bom Deus. Como vos confidenciei, no ano passado um jovem e bom sacerdote perdeu a vida na travessia. Dou realmente graças a Deus por me ter permitido fazer esta longa viagem através do mar sem nenhum acidente.

Aqui em Hongkong nunca mais encontrarei a nossa bela Val Badia, e nunca mais aí voltarei, pois todos buscamos o nosso verdadeiro lar muito para além das estrelas. Em vão buscarei por aqui a minha terra natal Oïes, sem dúvida o lugar mais bonito do mundo. E o pior é nunca mais poder ter junto de mim o meu pai, a minha mãe, os meus irmãos e as minhas irmãs, assim como muitos dos meus bons amigos que estão do outro lado do mar. Anima-me o facto de não estar aqui por minha própria vontade ou em busca de ouro, prata, mas para ganhar almas para Deus, vencer uma guerra contra o demónio e o inferno, destruir os falsos templos dos deuses, implantar no seu lugar a árvore da Cruz, conduzir os pobres pagãos, que também são nossos irmãos e irmãs, ao conhecimento do amor de nosso Deus crucificado, do Sagrado Coração de Jesus e de Maria. Ao pensar nisto, sinto que nunca poderei agradecer o suficiente a Deus por me ter enviado para a China.

Quando penso nestes pobres pagãos carregando tanta miséria e pensar que eu poderia ser um deles, e contudo Deus fez-me, por sua misericórdia, um missionário para e a favor deles. Pensando em tudo isto começo a gritar de alegria. Imaginem, nesta cidade há aproximadamente 100.000 habitantes e entre estes apenas uns mil católicos. Quase todos são pagãos, e não lhes interessa a religião nem a sua alma.
Outros têm alguma religião. Oferecem sacrifícios a seus ídolos. Às vezes oferecem um porco aos seus deuses. Porém, só o fumo vai para estes ídolos e isto os satisfaz, porque eles próprios comem depois esta carne. Até as crianças sabem como fazê-lo. Muitos entregam os filhos nos mosteiros que há por aqui mas, para além de uma moedas, não lhes dão mais nada e nem se preocupam mais por eles. Nestes mosteiros se entregam mais de mil crianças por ano, muitos deles morrem, mas pelo menos são batizados. Por aqui todos ficam a conhecer como a Igreja pode ser boa mãe e valorizar os religiosos e sacerdotes; porém, os pagãos pensam apenas em receber dinheiro. Contudo são muito trabalhadores e habilidosos no fazer qualquer coisa. Por aqui não há cavalos e tudo é carregado por pessoas que fazem este trabalho por 40 cêntimos hora, e as ruas estão repletas destes carregadores humanos.

A cidade é grande, e neste ano foram demolias de 400 a 500 casas. A região é bonita. Pode-se ver o mar e há montanhas como no Tirol. A terra é muito fértil. O calor é tolerável e nos meses Junho, Julho e Agosto pode ser muito quente. Amanhece 7 ou 8 horas mais cedo do que Oïes. Estamos vivendo na casa do Bispo, que nos acolheu cordialmente. O bispo é e Milão, chama-se Raimondi, e acolheu-nos muito cordialmente.

É necessário aprender muitas línguas, porque aqui fala-se chinês, italiano, alemão, português francês, inglês e ladino é o único que posso falar. Todos usam uma trança de cabelo quase até ao chão. O Bispo tem um seminário com 11 seminaristas. Quando os ouvimos rezar ou cantar, por exemplo a oração da tarde, no Tirol todos pensariam que eram loucos. Mas o senhor alegra-se por estes pequenos que chamou a ser sacerdotes para o seu povo desafortunado. Os chineses quase sempre rezam cantando, pelo que pode tornar terrivelmente ruidoso o ambiente na igreja.
Termino esta carta com uma oração por todos vós, meus amigos em Badia e São Martinho. Recordem-me nas vossas orações. Não cesso de vos ter presentes a todos diante do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, principalmente  os meus queridos pai e mãe. Estou mesmo feliz por estar aqui na China e não se preocupem por mim. Quando me quiserem ver entrem no Sagrado Coração de Jesus e ali nos encontramos mutuamente. Por favor, escrevam-me se ainda o não fizeram.
Saudações
GF Giuseppe Freinademetz)

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