Este
Domingo foi passado na tranquilidade, aprofundando o muito que vivemos na
peregrinação a Oïes, terra natal de São José Freinademetz. Preparamo-nos para
mais uma semana do nosso curso. O primeiro orientador será o Pe. Abreu que veio
de Portugal para nos falar do ancião na Bíblia. Hoje publicamos numa tradução
portuguesa a primeira carta que o nosso santo missionário escreveu ao chegar à
China. Escreveu esta carta oito dias depois de chegar. É realmente uma carta
para familiares e amigos, onde conta as primeiras impressões, ainda sem
conhecer profundamente o povo chinês. Neste momento as dificuldades ainda não
chegaram e a novidade é o constante. Notamos e admiramos aqui um aspeto muito
humano da sua personalidade. Nota-se a saudade que tem pela sua terra, que sabe
que nunca mais verá. As palavras mais carinhosas vão para os pais e demais
familiares. É uma carta bela, que vale a pena ler e meditar.
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Hongkong,
28 de Abril de 1879
Meus
queridos no Sagrado Coração de Jesus.
Aqui
me encontro no país pelo qual tanto rezei e que Deus achou por bem mostrar-me.
Depois de uma viagem que demorou entre quatro a cinco mil horas, cheguei
finalmente à China, o meu novo lar, pelo qual esperei tanto tempo. Louvado seja
o meu Senhor e Deus porque olhou com o seu coração paternal e me trouxe em seus
braços nesta longuíssima viagem cheia de perigos e obstáculos. Também vos
agradeço a vós, pai e mãe, e a todos os que me acompanham com a sua oração,
porque na verdade, vós partilhais comigo esta missão.
No
último Domingo, dia 20, cheguei ao meu destino, Hongkong, China. Durante a última semana, depois de que saímos de
Ceilão, escrevi algumas linhas a bordo, embora o mar estivesse algo turbulento.
O mar da China é conhecido pelas suas tempestades, e de facto assim sucedeu
quando o cruzámos. Padeci de náuseas, pelo que tive de permanecer na cama. Esta
última parte da nossa viagem foi desagradável; o barco estava simplesmente
repleto de passageiros. Apenas se podia caminhar um pouco. Podereis imaginar
quanto desejava chegar a Hongkong. Aconteceu finalmente o momento desejado. Seguro
e, finalmente, cheio de esperança, desembarcamos. Um seminarista veio-nos
buscar e levou-nos ao longo da grande cidade, enquanto que, com o coração
palpitando de alegria, recitámos mentalmente o Te Deum, agradecendo ao bom
Deus. Como vos confidenciei, no ano passado um jovem e bom sacerdote perdeu a
vida na travessia. Dou realmente graças a Deus por me ter permitido fazer esta
longa viagem através do mar sem nenhum acidente.
Aqui
em Hongkong nunca mais encontrarei a nossa bela Val Badia, e nunca mais aí
voltarei, pois todos buscamos o nosso verdadeiro lar muito para além das
estrelas. Em vão buscarei por aqui a minha terra natal Oïes, sem dúvida o lugar
mais bonito do mundo. E o pior é nunca mais poder ter junto de mim o meu pai, a
minha mãe, os meus irmãos e as minhas irmãs, assim como muitos dos meus bons
amigos que estão do outro lado do mar. Anima-me o facto de não estar aqui por minha
própria vontade ou em busca de ouro, prata, mas para ganhar almas para Deus,
vencer uma guerra contra o demónio e o inferno, destruir os falsos templos dos
deuses, implantar no seu lugar a árvore da Cruz, conduzir os pobres pagãos, que
também são nossos irmãos e irmãs, ao conhecimento do amor de nosso Deus
crucificado, do Sagrado Coração de Jesus e de Maria. Ao pensar nisto, sinto que
nunca poderei agradecer o suficiente a Deus por me ter enviado para a China.
Quando
penso nestes pobres pagãos carregando tanta miséria e pensar que eu poderia ser
um deles, e contudo Deus fez-me, por sua misericórdia, um missionário para e a
favor deles. Pensando em tudo isto começo a gritar de alegria. Imaginem, nesta
cidade há aproximadamente 100.000 habitantes e entre estes apenas uns mil
católicos. Quase todos são pagãos, e não lhes interessa a religião nem a sua
alma.
Outros
têm alguma religião. Oferecem sacrifícios a seus ídolos. Às vezes oferecem um
porco aos seus deuses. Porém, só o fumo vai para estes ídolos e isto os satisfaz,
porque eles próprios comem depois esta carne. Até as crianças sabem como fazê-lo.
Muitos entregam os filhos nos mosteiros que há por aqui mas, para além de uma
moedas, não lhes dão mais nada e nem se preocupam mais por eles. Nestes
mosteiros se entregam mais de mil crianças por ano, muitos deles morrem, mas
pelo menos são batizados. Por aqui todos ficam a conhecer como a Igreja pode
ser boa mãe e valorizar os religiosos e sacerdotes; porém, os pagãos pensam
apenas em receber dinheiro. Contudo são muito trabalhadores e habilidosos no fazer
qualquer coisa. Por aqui não há cavalos e tudo é carregado por pessoas que
fazem este trabalho por 40 cêntimos hora, e as ruas estão repletas destes
carregadores humanos.
A
cidade é grande, e neste ano foram demolias de 400 a 500 casas. A região é
bonita. Pode-se ver o mar e há montanhas como no Tirol. A terra é muito fértil.
O calor é tolerável e nos meses Junho, Julho e Agosto pode ser muito quente.
Amanhece 7 ou 8 horas mais cedo do que Oïes. Estamos vivendo na casa do Bispo,
que nos acolheu cordialmente. O bispo é e Milão, chama-se Raimondi, e
acolheu-nos muito cordialmente.
É
necessário aprender muitas línguas, porque aqui fala-se chinês, italiano,
alemão, português francês, inglês e ladino é o único que posso falar. Todos
usam uma trança de cabelo quase até ao chão. O Bispo tem um seminário com 11
seminaristas. Quando os ouvimos rezar ou cantar, por exemplo a oração da tarde,
no Tirol todos pensariam que eram loucos. Mas o senhor alegra-se por estes pequenos
que chamou a ser sacerdotes para o seu povo desafortunado. Os chineses quase
sempre rezam cantando, pelo que pode tornar terrivelmente ruidoso o ambiente na
igreja.
Termino
esta carta com uma oração por todos vós, meus amigos em Badia e São Martinho.
Recordem-me nas vossas orações. Não cesso de vos ter presentes a todos diante
do Sagrado Coração de Jesus e de Maria, principalmente os meus queridos pai e mãe. Estou mesmo feliz
por estar aqui na China e não se preocupem por mim. Quando me quiserem ver
entrem no Sagrado Coração de Jesus e ali nos encontramos mutuamente. Por favor,
escrevam-me se ainda o não fizeram.
Saudações
GF
Giuseppe Freinademetz)
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